Vida Episcopal
Dom Helder foi sagrado bispo no dia 20 de abril de 1952. Escolheu como lema de seu ministério episcopal “IN MANUS TUAS”, sugerido pelo amigo Dom José Távora, como que uma antecipação da sua caminhada, sempre entregue nas mãos de Deus.
Neste mesmo ano, viu um seu sonho tornar-se realidade com a criação da CNBB.
CNBB – Conferência Episcopal dos Bispos do BrasilDom Helder acreditava que sonho que se sonha junto é o começo da realidade. A prova disso foi a criação da CNBB, a realidade surgida através de um sonho, que ele acalentava, ainda antes de ser bispo. Ele idealizava uma entidade que congregasse a ação evangelizadora dos bispos do Brasil. Um sonho que ele compartilhou com Monsenhor Montini, futuro papa Paulo VI, e que, depois de superar muitos obstáculos, se concretizou.
Essa ideia surgiu baseada na visão que Dom Helder tinha de uma Igreja no Brasil com seus bispos engajados nos grandes problemas sociais, fazendo reflexões conjuntas, através de um organismo representativo, que tivesse capacidade de contribuir para o desenvolvimento nacional rumo a uma estrutura socioeconômica mais humana. E, que surgiu a partir de suas experiências na Ação Católica, da qual foi responsável em nível nacional.
Dom Helder atuava na primeira linha da CNBB, que procurava transformar em realidade a aspiração de um modelo de Igreja proposta pelo Concílio Vaticano II. Ele organizou e orientou a CNBB, como seu Secretário Geral, durante os primeiros 12 anos de sua existência.
Ele sempre teve a CNBB como prioridade, mesmo deixando de ser o primeiro secretário. Fazia a articulação com os bispos brasileiros e, com a radical mudança da conjuntura política do Brasil, após o golpe militar de 1964, percebia, com clareza, a crescente destruição dos alicerces democráticos no país. E, graças aos seus esforços, isso foi se tornando mais evidente nos diferentes centros episcopais brasileiros, o que favoreceu o surgimento de uma nova geração de bispos, engajada no combate à violência.
O resultado de todo esse trabalho veio à tona, em 1971, com a vitória, na CNBB, de uma diretoria mais comprometida com os problemas sociais brasileiros, evangelicamente afinada com os documentos de Medellin e, depois, de Puebla, em comunhão estreita com os menos favorecidos.
Mas as ideias, os sonhos de Dom Helder não paravam. Após a criação da CNBB, ele conversa novamente com o Monsenhor Montini e o convence da necessidade da criação de uma entidade que congregue os bispos da América-Latina, com a finalidade de reuni-los para troca de informações e ações conjuntas, deixando assim mais uma semente nas mãos do futuro papa: a da criação do CELAM – Conselho Episcopal Latino-Americano.
Dom Helder teve uma vida episcopal muito rica, em projetos, sonhos e realizações. Desempenhou funções muito importantes. Entre as quais destacamos:
-Assistente nacional da Ação Católica Brasileira;
- Secretário Geral da CNBB,
- 0rganizador e Secretário-Geral do XXXVI Congresso Eucarístico Internacional;
- Fundação da Cruzada São Sebastião;
- Fundação no Rio de Janeiro, do Banco da Providência, cuja atuação se desenvolve especificamente na faixa da miséria;
- Padre conciliar nas 4 sessões do Concílio Vaticano II;
- Membro da Comissão Apostolado dos Leigos e Meios de Comunicação Social;
- Delegado do Episcopado Brasileiro no 3º Sínodo dos Bispos;
- Membro do Conselho Supremo de Imigração;
- Membro da Comissão “para a disciplina do clero”, preparatória do Concílio Vaticano II;
CONCÍLIO VATICANO II
O Dom esteve presente em cada momento do Concílio, reunindo, organizando reuniões em Domus Mariae, que livremente, debatiam os assuntos os assuntos que seriam colocados nas grandes comissões.
Uma grande parte do espírito do Concílio estava se alimentando e se estruturando nesses encontros da Domus Mariae.
Pouco antes da conclusão do Concílio, em 16 de novembro de 1965, nascia “O Pacto das Catacumbas”, um documento redigido e assinado por trinta e nove padres participantes do Concílio Vaticano II, entre eles muitos bispos latino-americanos e brasileiros, pouco antes da conclusão do Concílio. Este documento foi firmado após a Eucaristia na Catacumba de Domitila.
Por esse texto de treze itens, os signatários comprometeram-se a levar uma vida de pobreza, rejeitar todos os símbolos e privilégios do poder e a colocar os pobres no centro do seu ministério pastoral. Comprometeram-se também com a colegialidade e com a corresponsabilidade da Igreja como Povo de Deus, e com a abertura ao mundo e a acolhida fraterna. Um dos proponentes do pacto foi Dom Helder. Este pacto influenciou a nascente Teologia da Libertação e os rumos da Segunda Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano, realizada em Medellín.
Além de Dom Helder, os outros bispos brasileiros signatários do pacto foram Dom Antônio Fragoso, da Diocese de Crateús – CE; Dom Francisco Austregésilo de Mesquita Filho, da Diocese de Afogados da Ingazeira – PE; Dom João Batista da Mota e Albuquerque, da Arquidiocese de Vitória – ES; o Pe. Luiz Gonzaga Fernandes, sagrado bispo auxiliar de Vitória, dias depois; Dom Jorge Marcos de Oliveira, da Diocese de Santo André – SP; Dom Henrique Golland Trindade, OFM, da Arquidiocese de Botucatu – SP; Dom José Maria Pires, da Arquidiocese da Paraíba – PB.
Participava do Concílio um grupo de bispos pobres, preocupados com os problemas do terceiro mundo e sua população, articulados pelo padre missionário da Palestina Paulo Gauthier que dividia a liderança do grupo com Dom Helder. O grupo discutia e refletia sobre os movimentos missionários entre os excluídos, na África, na Ásia e na América Latina.
Na primeira sessão do Concílio o cardeal Lercano fez uma intervenção para mostrar que os pobres deveriam estar no centro de toda preocupação e de toda mensagem dos padres conciliares. Foi o ponto alto do espírito deste grupo. Tristemente, muitos dos bispos não estavam preparados para assumir a “opção pelos pobres”.
Após o encerramento do Concílio, o grupo voltou a se reunir e, em 15 de agosto de 1967, publicou um documento muito importante, assinado por dezessete bispos, dos quais oito eram brasileiros, sendo sete do Nordeste. O documento continha a mensagem dos bispos do terceiro mundo.
Os frutos deste Concílio ainda estão longe de se esgotar. Enquanto houver um irmão explorando o outro, um povo espoliado por outro povo, uma nação vendo seus filhos morrerem à míngua, enquanto escandalosamente se gasta com armamentos, haverá frutos para serem partilhados, e a mão do Dom estará presente nas mãos daqueles que sabem partilhar.
ARQUIDIOCE DE OLINDA E RECIFE
À sua atuação incansável em defesa dos Direitos Humanos e de uma vida digna, devemos a criação de instituições, comissões e o surgimento de ações que visavam promover a não-violência e a justiça social.
Visto cada vez mais como uma figura controvertida, ao deixar a Secretaria Geral da CNBB, após eleição de 27 de setembro de 1964, desenvolve com maior intensidade ações sociais junto às comunidades carentes e luta pelos direitos humanos e a justiça social. Torna-se mundialmente conhecido como o “irmão dos pobres”, o arauto dos “sem vez e sem voz”.
Durante o regime militar, por causa de suas denúncias de casos de tortura, tem o nome banido dos meios de comunicação. Sua voz é ouvida apenas na Rádio Olinda, Recife. Vários de seus colaboradores são perseguidos e um deles, o jovem padre Antônio Henrique Pereira Neto, é torturado e assassinado, em 1969.
A partir de seu corajoso discurso no Palais des Sports, de Paris, em 1970, denunciando torturas a prisioneiros políticos no Brasil, passa a receber cerca de 80 convites por ano para conferências no exterior e torna-se uma referência internacional na defesa dos direitos humanos e dos países do Terceiro Mundo.
Lidera o movimento da Não-Violência e das Minorias Abraâmicas. Torna-se membro de 33 organizações internacionais e nacionais e é distinguido com diversos prêmios, entre eles, René Sande, Martin Luther King, Memorial João XXIII da Pax Christ, Artesões da Paz, e o Prêmio Popular da Paz. Recebe também 32 títulos de Doutor honoris causa, das mais diversas Universidades. 27 cidades no Brasil e no exterior declaram-no cidadão honorário.
Algumas ações durante o exercício de seu episcopado:
- A criação do governo Colegiado;
- A organização do Conselho Presbiteral e do Conselho Pastoral;
- A organização dos setores pastorais;
- A fundação do Banco da Providência, nos moldes do fundado no Rio de Janeiro;
- Criação do ITER – Instituto Teológico do Recife e do SERENE II – Seminário Regional do Nordeste;
- Criação do movimento “Encontro de Irmãos”;
- Criação da Comissão de Justiça e Paz;
- Criação da Operação Esperança;
Em 10 de abril de 1985 torna-se Arcebispo Emérito de Olinda e Recife, por limite de idade.
CAMPANHA ANO 2000 SEM MISÉRIA
Objetivo de vida de Dom Helder Camara, a erradicação da fome e a eliminação da miséria sempre foram um sonho acalentado desde seus primeiros dias de sacerdote envolvido com a problemática social do homem contemporâneo. A Campanha “Ano 2.000 sem Miséria” sempre esteve presente em suas atividades pastorais, em suas homilias, em seus pronunciamentos e, principalmente, em seu coração de brasileiro atormentado com a situação constrangedora de milhões de seres humanos.
Em 1990, de uma forma direta, Dom Helder Camara inicia a concretização de seu sonho mais acalentado, de seu ideal de vida, lançando a Campanha. De forma bastante realista, segundo ele mesmo confessa, a Campanha não pretende acabar definitivamente com a pobreza, mas garantir condições básicas de sobrevivência para toda a população terrestre, mormente a brasileira, tendo como filosofia o pensamento de que há tecnologia suficiente no mundo para alimentar todos, em abundância.
Segundo o Dom, “bastaria que essa ideia ficasse um pouco na cabeça dos maiorais”. Um dos setores da Campanha trabalha num projeto de conscientização a médio e longo prazo, qualquer um podendo com um pouco, o conjunto fazendo muito, arrefecendo os níveis desnutricionais de milhões, que também são filhos de um mesmo Pai. Para isso, duas formas de ação foram estabelecidas: o de denúncias, para provocar sensibilizações, e o de propostas, para ampliar a participação da sociedade.
A Campanha “Ano 2000 sem Miséria” procura retirar do ser humano o sentimento de inércia diante da desgraça de seus semelhantes, incutindo no homem o entendimento de que todos são seres humanos que pensam, sentem dor, têm sentimentos e sonhos, ninguém merecendo ser marginalizado da história.
ADEUS AO DOM
Em 27 de agosto de 1999 Dom Helder parte para a Casa do Pai, deixando um legado de exemplo de vida dedicada aos sem vez e sem voz.