Causos do Dom : Montini questiona se Helder queria ser bispo
colaboraçãoPe. Ivanir Antonio Rampon
No final do Ano Santo de 1950, o Conselheiro da Nunciatura Apostólica do Brasil, Monsenhor Helder Camara, viajou para Roma levando a proposta da criação de uma Assembleia dos Bispos do Brasil. Monsenhor João Batista Montini, Subsecretário de Estado de Pio XII ouviu tudo, não disse nada. Apenas que dias depois o chamaria para um novo encontro a fim de dar o parecer da Cúria e do Papa Pio XII. Helder muito rezou pedindo ao seu Anjo da Guarda que este encontro produzisse muitos frutos…
No dia 21 de dezembro, foi recebido por Montini. Este disse que fizera uma análise detalhada do documento da ACB (que estava escrita em português). Helder percebeu que quase todas as teses estavam sublinhadas. Havia alguns pontos sobre os quais desejava mais explicações, mas não houve nenhuma divergência. E o Subsecretário de Estado lhe disse
– “Monsenhor Câmara, a ideia de uma Assembleia dos Bispos do Brasil me convenceu. Temos de criá-la. Entretanto, tenho uma dúvida…”.
E para captar os motivos que teriam levado um Monsenhor a querer uma Assembleia Nacional dos Bispos, diplomaticamente perguntou:
– “Se não entendi mal, trata-se de uma Assembleia de Bispos. Conforme tudo o que li nestes relatórios, o homem-chave para dirigi-la é o senhor, mas o senhor não é Bispo. E então?”.
Helder percebendo aonde o Subsecretário queria chegar, também com diplomacia, respondeu:
– “Por favor, Monsenhor Montini, acho que não entendi muito bem. Tenha a bondade de expor-me seu pensamento com mais clareza
Montini, então, expôs que, por tudo o que havia lido, o Secretário deveria ser Monsenhor Helder, mas ele não era Bispo. Logo… Mas neste momento, Helder, usou um argumento irrefutável:
– “Excelência, sou um simples sacerdote e assim quero continuar sendo até que Deus queira. Por outro lado, a história do Vaticano nos dá exemplos luminosos de simples sacerdotes que chegam a ocupar os cargos mais delicados e importantes da Igreja. Talvez o melhor exemplo seja o de vossa excelência: um simples sacerdote que o Santo Padre quis colocar na direção da Secretaria de Estado. E eu, outro simples sacerdote, aqui estou chamando-o de excelência e rendendo-lhe o respeito e a admiração que merece. Não, eu não aspiro a nada: quero apenas servir à Igreja e ao meu país. Acredita-me. Perdoa-me, Monsenhor Montini, mas o senhor é o único que não tem o direito de manifestar esta desconfiança, esta dúvida. Porque se Nosso Senhor se serve do seu trabalho na Secretaria de Estado, a serviço do Santo Padre, para ser o elo de ligação entre todos os Bispos do mundo, por que não poderia eu, sem ser Bispo, servir igualmente a Cristo e à sua Igreja sendo o elo de ligação de um pequeno grupo de Bispos, em um pequeno rincão do mundo?
Montini sorriu e comprometeu-se em dar pleno apoio à iniciativa. Mas alertou que o sacerdote brasileiro precisava tomar muito cuidado. Então lhe mostrou uma pequena publicação, a revista Juventude, editada por algumas moças que o auxiliavam no Secretariado da ACB, que chegara ao Vaticano sublinhada em vermelho e com grandes pontos de interrogação, enviada por autoridades brasileiras sugerindo alguma necessidade de censura à publicação, em razão de excesso de modernismo. Daquele encontro, no entanto, nasceu uma grande amizade, que nunca conheceu interrupção.
Quando eleito Papa, Paulo VI disse a Dom Helder que agradecia a Deus “pela nossa Conferência dos Bispos. Chamo-a assim, porque a vimos nascer, a ajudamos a nascer. Deus e eu sabemos quanto ela lhe deve”.
Pe. Ivanir Antonio Rampon
Dom Helder Camara. Circular 15 de 14-3-1964, in Dom Helder Camara. Circulares Conciliares, Tomo I – de 13/14 de outubro de 1962 a março de 1964. Recife: CEPE, Obras Completas de Dom Helder, Recife 2009.
Helder Camara. “A CNBB nasceu assim”. Texto escrito por ocasião da celebração dos 25 anos de fundação da CNBB, celebrados em outubro de 1977. Foi publicado no O São Paulo de 19-21.11.1975. In Sedoc, v. 10, fasc. 109, 803-805, maio 1978.
Ivanir Antonio Rampon, O caminho espiritual de Dom Helder Camara. São Paulo: Paulinas, p. 56-57, 2013.
Ivanir Antonio Rampon, Paulo VI e Dom Helder Camara – exemplo de uma amizade espiritual. São Paulo: Paulinas, p. 22-25, 2014.