Memória em Palavras – A Atualidade De Discursos De Dom Helder CamaraAo Redor Do Mundo – 1970 (IX)

Memória em Palavras – A Atualidade de Discursos de Dom Helder Camara do Redor Do Mundo – 1970 (IX)

Três pedidos aos meus colegas e irmãos, os teólogos (1)

1. Testemunhos vivos do Deus vivo

Por Geraldo Frenken

Há, em nossos dias, um fenômeno que, certamente, já percebestes: é o espetáculo dado, aos homens e aos anjos em países dominados pela extrema direita, por jovens marxistas capazes de suportar trabalhos penosos e de sofrer torturas incríveis pelo seu ideal. Não esqueço as atrocidades cometidos dentro do mundo socialista. Mas a interrogação persiste. Onde bebem os jovens marxistas coragem, heroísmo, à altura dos mártires cristãos dos primeiros tempos? Eles só têm o materialismo dialético, só dispõem do humanismo ateu.

Que vergonha para nós cristãos que, tendo todo o evangelho, encontramos ainda maneiras de ser tão frágeis e tão medíocres!

Ai do homem que não tem dogmas, isto é, que não tem convicções profundas, carne de sua carne, sangue do seu sangue. Ai do homem que não tem uma razão para viver e para morrer! Claro que é diferente ter dogmas e pretender impô-los pela força.

Donde virá nossa mediocridade cristã? Temos grandes textos e belas conclusões que ficam no papel. Fazemos o elogio da caridade e o mundo desenvolvido – 20% da população da terra tendo entre as mãos 80% de recursos humanos – é cristão, ao menos na origem. Nossa civilização cristã faz a guerra; alimenta o racismo; chega a criar riquezas baseadas na miséria; não tem a coragem de enfrentar os trusts internacionais, responsáveis por injustiças em escala mundial.

Bastar-nos-ia viver de fato uma das verdades de nossa fé – digamos esta: que todos, sendo filhos de Deus, somos irmãos.

Teólogos, meus colegas e meus irmãos. Teólogos de Louvain e de todas as faculdades de teologia do mundo; teólogos católicos, e teólogos de todas as religiões: que em vossas pesquisas e em vossos estudos, vosso compromisso único é com a verdade. Mas será um erro imaginar teólogos que sejam testemunhos vivas do Deus vivo?

Quando se tem ideia do desenvolvimento integral, compreendido como desenvolvimento de todo o homem e de todos os homens, é evidente que ele supõe a presença de técnicos, de peritos variadíssimos: economistas, sociólogos, políticos, educadores, artistas filósofos, teólogos …

Não vos contenteis de ser pesquisadores, que dilaceram o dado teológico, com pulso firme e mão fria.

Sem dúvida, há purificações, há demitizações que se impõem. Mas seria absurdo chegar a uma negação total ou a uma dúvida universal.

Não gasteis o melhor do vosso tempo neste trabalho negativo. Tomais em vossas mãos algumas verdades sólidas, e que, de tal modo, elas vos possuam, elas se insiram em vós, elas sejam vosso sopro e vossa vida, que, teólogo, chegue a ser algum que, no meio das dúvidas, seja fé encarnada, audível, tangível.

Não penseis que vos imagino para além das tempestades, com um ar triunfalista de mestres da verdade e monopolizadores do espírito de Deus. Tendo boa vontade de compreender os que, em plena luta, têm fome e sede de verdades fortes, capazes de romper icebergs de egoísmo e capazes de restituir a esperança a homens aviltados por uma situação subumana.

2. Não esqueçamos a igreja “ad extra”

Quatro dias antes do encerramento da primeira sessão do Concílio Ecumênico Vaticano II o nosso cardeal Suenens, arcebispo de Malines e Bruxelas, em uma das mais decisivas e aplaudidas intervenções daquele memorável conclave, sugeriu a revisão de todos os esquemas conciliares, em função de dois polos:

– Igreja ad intra, isto é, sua natureza, sua constituição, seu poder central, seus

membros (bispos, clérigos, leigos), sua missão educadora …

— E a igreja ad extra, isto é, em face dos grandes problemas que preocupam o mundo atual: a justiça social, a paz, o desarmamento, a fome, o respeito a vida, a evangelização das massas, a pobreza.

O cardeal foi relator de “Lumen Gentium” e ao mesmo tempo promotor da carta magna da Igreja “ad extra” que é a de “Gaudium et Spes”. Sabemos como suas preocupações se encaminham para os problemas internos da Igreja e mesmo da Igreja no mundo. A reforma interior conduz a uma maior e melhor presença no mundo.

Não penso de nenhum modo, em negar a importância dos estudos sobre a figura do padre de amanhã, sob todos os aspectos: seu lugar, suas funções, dar espaço para a lei do celibato, prestar muita atenção às questões sensíveis que ameaçam, a cada instante, a paz mundial. Precisamos evitar dar a impressão de que a Igreja, na hora atual, só tem olhos para os seus próprios problemas.

Não penso de nenhum modo, em negar a urgência da revisão, em profundidade, das estruturas da Igreja, pondo em forma a colegialidade, obtendo a corresponsabilidade tudo o que pode e deve dar; conduzindo, com firmeza e coragem, a reforma escriturística, a reforma litúrgica, a reforma missionária, a reforma escolar, a reforma ecumênica, a reforma da vida religiosa, a reforma do apostolado dos leigos…

Mas, como absorvermo-nos de tudo, na Igreja ad intra, enquanto Biafra (1967-1970) por acusação viva a todos nós, que só sabemos chegar após a catástrofe para tentar ocorrer os sobreviventes, enquanto no Vietnã, uma das guerras mais horríveis da história continua a esmagar um povo heroico (1955-1975), vítima da ambição de dois impérios, em luta pela dominação econômica e pelo prestígio política na Ásia; enquanto a miséria se agrava no mundo e chega a matar como as guerras mais sangrentas?

Não penso de nenhum modo, em negar o significado e a oportunidade dos sínodos diocesanos, e da criação de comissões, encarregadas das reformas previstas.

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