Memória em Palavras – Três Profetas do Nosso Tempo
Por Patrus Ananias *
Celebramos no dia 27 de agosto o fim da trajetória terrena de três pessoas admiráveis
que muito marcaram os meus caminhos e com certeza os caminhos de muita gente boa.
Dom Hélder Câmara nos deixou em 27 de agosto de 1999. Dom Luciano Mendes de
Almeida encerrou a sua esplêndida presença entre nós, no mesmo dia e mês de 2006.
Dom José Maria Pires foi em busca de sonhos e utopias em 27 de agosto de 2017.
Os três, mais do que amigos, foram irmãos e ajudaram a construir o momento
luminoso da Igreja no Brasil em que bispos – e aqui cabe lembrar mais uma vez Pedro
Casaldáliga, que era também irmão dos três – religiosas e religiosos, militantes leigas e
leigos buscaram seguir a vida, o testemunho e os ensinamentos de Jesus. Tempos em
que floresceram as Comunidades Eclesiais de Base, as Pastorais comprometidas com a
vida, os grupos de Fé e Política, os movimentos ecumênicos.
Dom Hélder foi o precursor. Começou como bispo auxiliar junto às comunidades
mais empobrecidas do Rio de Janeiro, e depois de forma mais visível e libertária nas
periferias de Olinda e Recife. O trabalho junto aos pobres e excluídos, trabalhadores,
jovens, desdobrou-se na voz que se ergueu contra os desmandos da ditadura pós-golpe
de 1964; voz que cresceu e tocou corações e consciências além das fronteiras nacionais,
quando a ditadura com o Ato Institucional nº 5 adentrou no trágico território dos crimes
contra a humanidade, com as prisões arbitrárias, torturas, mortes, desaparecimentos.
Recordo com emoção, quando aos 16 anos em Bocaiuva recebi pelo reembolso postal
e li com atenção própria dos discípulos “Revolução dentro da Paz”. Belíssimo livro com
pronunciamentos de Dom Hélder. Pude muitos anos depois, como vereador em Belo
Horizonte, entregar-lhe o título de Cidadão Honorário da nossa capital. Dom Hélder, já
arcebispo emérito, disse-nos então que pretendia dedicar os seus últimos anos de vida à
luta para erradicar a fome no Brasil.
Guardei os seus ensinamentos e o seu desejo, quando priorizamos na Prefeitura de Belo
Horizonte a segurança alimentar e o nosso trabalho no Ministério do Desenvolvimento
Social e Combate à Fome.
Dom José Maria Pires emergiu na minha vida e na vida de milhares de pessoas
quando bispo de Araçuaí, no nosso Vale do Jequitinhonha, foi transferido para assumir a
Arquidiocese de João Pessoa e tornou-se vizinho de Dom Hélder.
Os nossos primeiros encontros ocorreram nos anos 1970. Nunca me esqueci de que em
uma conversa com militantes, Dom José ousou uma afirmação radicalmente evangélica.
Disse que a Igreja do futuro não perguntaria às pessoas se elas acreditam em Deus e sim
se elas são capazes de amar. O amor ao próximo e particularmente o amor aos pobres é
o passo inicial para seguir Jesus. Militamos juntos no Movimento Nacional Justiça e Não
Violência.
Tive a alegria de ver o meu filho o vereador Pedro Patrus conceder-lhe o título de
Cidadão Honorário de BH em evento memorável na Câmara Municipal.
Dom Luciano foi um encontro mais recente. Ocorreu nos anos de 1980, quando assumiu
a Arquidiocese de Mariana. Dom Luciano era bispo auxiliar de Dom Paulo Evaristo Arns
em São Paulo. O nosso desejo e expectativa era que ele viesse a substituir o inesquecível
Cardeal do Povo. Ocorre-me então uma conversa com Dazinho – este também sempre
presente nos corações e lembranças dos que tiveram o privilégio de conhecê-lo. Falei
com Dazinho deste meu sentimento e que a vinda de Dom Luciano para Minas frustrava
as minhas expectativas. Dazinho, bem a seu feitio, disse-me que sentia e pensava de
forma diferente: Muito bom que Dom Luciano venha para Minas, para aqui dar o seu
testemunho e exercer o seu magistério profético.
Dazinho estava certo. Dom Luciano foi um sinal da presença de Jesus entre nós.
Tivemos encontros, conversas, que me marcaram para sempre. Convidou-me para
participar e dar o meu depoimento em eventos da arquidiocese. Tornou-se um consultor
e conselheiro não remunerado do Ministério Desenvolvimento Social e Combate à Fome.
Dom Hélder, o Padre Hélder, o Dom da Paz, Dom José Maria, o Dom Zumbi, o bispo
que assumiu a sua negritude, Dom Luciano o estadista da Igreja, que tão bem articulava
o trabalho de base e suas atribuições na Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, da
qual foi secretário-geral e presidente, fiéis seguidores de Jesus, anunciam com suas
vidas e ensinamentos o Brasil que nós queremos.
- Publicado em 30 de agosto dfe 2020