Causos do Dom: A primeira Grande Humilhação

Causos do Dom: A primeira Grande Humilhação

Pe.Ivanir Antônio Rampom

Uma professora de psicologia do Instituto de Educação de Fortaleza estava ensinando uma nova teoria, o behaviorismo ou comportamentalismo. Helder e alguns militantes católicos – ligados ao Centro Dom Vital e que difundiam o apostolado católico nos ambientes intelectuais, objetivando a defesa dos “interesses da Igreja” – consideraram a teoria herética e materialista. O seminarista conseguiu os cadernos usados pela professora e, com a autorização do reitor, resolveu denunciá-la, publicamente, como materialista.

O primeiro artigo de Alceu Silveira – pseudônimo que usou em homenagem a dois intelectuais que admirava, a saber, Alceu Amoroso Lima e Tasso Silveira – causou sensação nos ambientes intelectuais da cidade. No Seminário, os colegas ficaram admirados com o dote polemista do novo articulista. A professora Edith Braga retrucou e Alceu Silveira retornou com um estilo mais eloquente, combatendo sem piedade “os erros” da professora. Depois veio o terceiro e último artigo de Alceu Silveira. É que Monsenhor Tabosa Barbosa, Vigário Geral de Fortaleza, o chamou no dia 29 de julho de 1927 para um colóquio.

O seminarista pensava que iria receber felicitações pela sua capacidade jornalística e defesa da fé católica, mas ouviu:

– “Você deve saber que o artigo de ontem foi o último”.

– “Mas, padre, isso é impossível. Por favor. O senhor não leu os enormes disparates que essa mulher publicou hoje no jornal? Não pode ser, padre! Ao menos o senhor me permita publicar o último artigo amanhã, já está até pronto”.

Mas o Vigário Geral fechou a conversa, dizendo:

– “Eu já disse que ontem você escreveu o seu último artigo”.

O gesto de não seguir a polêmica ressoou para ele como extremamente autoritário e injustificável. Por isso, estava disposto a desobedecer e continuar a discussão, mesmo que lhe custasse a expulsão do Seminário. Chateado, foi numa capela rezar. Disse a si mesmo que de lá não sairia até não conseguir tranquilidade e paz interior.

Passaram-se duas horas e meia. Recordou, então, que era 29 de julho, dia de Santa Marta, e pensou na frase: “Marta, Marta! Você se inquieta e se preocupa com muitas coisas, uma só é necessária. Maria escolheu a melhor parte”. Uma só coisa bastava: sentar-se aos pés do Senhor! Ao pensar nisso, subitamente sentiu uma grande paz. Seus olhos se abriram e disse a si próprio: “Hélder, estás para receber a tonsura e começar a preparação imediata ao sacerdócio. E te preparas no ódio? Porque nos teus artigos há ódio e orgulho. Tu não o sentes, não o entendes, mas estás cheio de orgulho. É assim que te preparas ao sacerdócio?”.

Foi assim que compreendeu que aquilo que parecia defesa da fé e da verdade era orgulho. Agradeceu a Deus por ter conseguido essa consciência, pois se o orgulho o vencesse, talvez perdesse a vocação e a fé. Esta foi a primeira das grandes humilhações que o Senhor lhe enviou para que pudesse progredir no seu caminho espiritual…

Enquanto Helder rezava, os colegas tomaram conhecimento, por meio do reitor, da proibição imposta pelo Vigário Geral. Indignados com o fato, prepararam uma manifestação a favor do seminarista e contra Monsenhor Tabosa, contando com o apoio do próprio reitor. Seus colegas o queriam como líder, mas ficaram surpresos, pois Helder não aceitou a proposta. Era quase incompreensível ouvir o polemista pedir para que o ajudassem a vencer o orgulho e a vaidade. Apesar da decepção inicial, Helder tornou-se ainda mais admirado pelos colegas e alguns lhe disseram:

– “Um dia tua voz será ouvida em todo o Brasil”.

Posteriormente, Helder soube que Edith Braga era cunhada do Vigário Geral.

Pe. Ivanir Antonio Rampon

Algumas fontes

Ivanir Antonio Rampon, O caminho espiritual de Dom Helder Camara. São Paulo: Paulinas, p. 25-27, 2013.

Nelson Piletti e Walter Praxedes, Dom Hélder Câmara: entre o poder e a profecia. São Paulo: Editora Contexto, p. 72-75, 2008.

Dom Helder Camara. Le conversioni di un vescovo. Torino: Società Editrice Internazionale. Prefazione di José de Broucker, p. 114-116. [Original Lés conversions d’évêque: Editions Seuil, 1977].

Gladys Weigner e Bernhard Moosbrugger. Helder Câmara: la voce del mondo senza voce, Milano: Centro Missionario PIME, p. 40-41, 1973.

Hélder Câmara. Chi sono io? A cura di Benedicto Tapia de Renedo, presentazione di Ettore Mesina. Assisi: Cittadella Editrice, p. 19-22, 1979.

José de Broucker. Helder Camara. La violenza di un pacifico. Roma: Edizioni Saggi ed esperienze, Tipografia Città Nuova, p.14-17, 1970.

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