Memória em Palavras – A Atualidade das Proposições de Dom Helder acerca das “Minorias Abraâmicas (VIII)

Memória em Palavras – A Atualidade das Proposições de Dom Helder acerca das “Minorias Abraâmicas (VIII)

Escritos acerca das Minorias Abraâmicas (aprofundamentos)

Geraldo Frenken

  1. serto à vista
    É bom que ninguém se iluda, ninguém aja de maneira ingênua: quem escuta a voz de Deus, e faz sua opção interior, e arranca-se de si, e parte para lutar pacificamente por um Mundo mais justo e mais humano, não pense que vai encontrar caminho fácil, pétalas de rosas debaixo dos pés, multidões à escuta, aplausos por toda parte e, permanentemente, como proteção decisiva, a mão de Deus. Quem se arranca de si e parte como peregrino da justiça e da paz, prepara-se para enfrentar desertos.
    Fazem os grandes e poderosos. Dariam apoio total, seriam largos na ajuda, se tudo se passasse em clima de apelo e generosidade. Falar em justiça, é, de saída, ingratidão; e é injustiça revoltante, absurdo, provocação. Quem têm privilégios a perder não vai reconhecer que sejam privilégios injustos. Jamais admitirá, salvo milagres, que sua atitude e sua maneira de conduzir seus negócios criem condições inhumanas e escravizadoras. Inventar isto, espalhar estas balelas, encher a cabeça dos humildes com estas confusões parece-lhe obra de subversão e de ajuda, consciente ou inconsciente, ao comunismo.
    Os grandes e poderosos desaparecem, cortam toda e qualquer ajuda, passam a represálias. Não raro funcionam campanhas, que se tornarão tanto mais rudes, difamadoras e caluniosas, quanto mais sentirem perigo à vista. Terrível é que os pequenos tendem a intimidar-se. Quem vive em dependência total quanto a casa e emprego; quem sabe que os grandes têm tudo na mão; manobram homens e acontecimentos com incrível facilidade, pensa na própria situação e, sobretudo, pensa na família, e teme! A reação natural e compreensibilíssima é fugir. Ficam os menos dependentes, ou os mais conscientizados, dispostos aos que der e vier …
    Chega um instante em que se olha em volta e tem-se a impressão de ser um amigo incômodo: amigo que cria má vontade e suspeita para que o recebe; amigo, desejado no íntimo, mas temido pelas interpretações dadas ao gesto de receber alguém mal-visto, mal-julgado, tido como perigoso ….
    Tem-se a impressão de falar no deserto. Tem-se a sensação de que vêm falando no deserto todos os que, através dos séculos, se preocupam com a justiça. As injustiças se alastram e se aprofundam. Cobrem mais de 2/3 da terra. Só as pedras escutam ou os homens de coração de pedra.O cansaço vai passando do corpo à alma. E cansaço de alma não tem comparação com os mais pesados e terríveis cansaços do corpo … Impressão de deserto em volta, enquanto os olhos atingem. Areia fofa na qual as pernas se enterram até os joelhos, tornando a caminhada penosíssima. Tempestade de arei vidrenta e quente, machucando o rosto, entrando de olhos e ouvidos adentro …Chega-se ao auge do sofrimento: deserto interior, deserto dentro de si, impressão de abandono pelo própria Pai. “Meu Pai, meu Pai, por que me abandonaste?!” …Quem não confia na própria força; quem se protege contra toda e qualquer amargura; quem se mantém humilde; quem se sabe nas mãos de Deus; quem não deseja senão participar na construção de um Mundo mais justo, mais fraterno, não desanima, não perde a esperança. E sente, invisível, a sombra protetora do Pai.

(Abertura da AJP para o plano mundial. Recife 21-22.1.1971. 186.º Circular. Em: DOM HELDER CAMARA, Circulares Ação Justiça e Paz. Volume V – Tomo III, p.p. 66-67. (Editora CEPE, Pernambuco, 2022)

Caracterização de quem deseja fazer parte das Minorias Abraâmicas:
? Saber-se no deserto… só… não compreendido… mal-… visto, mal-julgado…perigoso….. por falar em justiça, igualdade, sonhar com e lutar por um Mundo mais humano!

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