Memória em Palavras – A Atualidade dos Discursos de Dom Helder Camara Ao Redor do Mundo – 1970 (VII)
A quem falar, a quem consultar
Por Geraldo Franckim
Como esperamos contra toda a esperança, maginamos que as minorias abraâmicas se multipliquem
sobre os cinco continentes e sobre os sete mares.
Então, a quem falar? A quem consultar?
É preciso, a todo custo, evitar a ideia errônea de que a “Ação, Justiça e Paz” se liga a uma pessoa, uma língua ou uma religião. Por isso, nenhuma minoria abraâmica terá nenhuma obrigação de comunicar o seu nascimento ou de comunicar suas atividades. No entanto, é claro que, em uma primeira fase, é conveniente, ou quase necessário um ponto de referência, uma central de informações, um lugar de contatos.
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A força moral da “Ação, Justiça e Paz” vai nascer da intercomunicação entre as minorias abraâmicas de diferentes cidades, diferentes países e continentes. Quando as minorias abraâmicas do Terceiro Mundo se sentirem realmente solidárias, sobretudo, quando se encontrarem ecos fraternos dentro dos países desenvolvidos, a humanidade estará mais próxima da Paz.
Deus sopra onde quer. É perfeitamente possível que as minorias abraâmicas surjam no Norte e no Sul, no Leste e no Oeste. Mesmo sob regimes totalitários, a ideia da “Ação, Justiça e Paz” poderá florescer.
É possível o pluralismo dentro da “Ação, Justiça e Paz”? Não apenas possível, as desejável. Desde que a essência do Movimento expressa em seu nome, seja salvaguardada, o ideal será a unidade e não a uniformidade. Pode haver diversidade na unidade. O Movimento não teria validade profunda, se se fizesse do mesmo modo no
Brasil e na França. Na Índia e nos Estados Unidos, nos Camarões e na Austrália.
Cada raça, cada língua, cada religião deve deixar sua marca no Movimento.
Há espaço para a contestação? É claro que sim. Se a “Ação, Justiça e Paz” não se apresentar como sinal de contradição, se não levanta dúvidas e não provoca grandes devotamentos ou também ódio, é o caso de preparar o seu funeral. Ela não se considera a solução. Pensa em ajudar às pessoas neste momento em que todos estamos tateando pelo caminho.
E quanto aos idiomas: quais são os idiomas oficiais para a correspondência?
Pode escrever na língua que quiser. Há sempre alguém para ajudar a compreender. E o coração adivinha o resto. O importante é começar. O tempo corre contra nós. Estamos alguns séculos atrasados e todos temos responsabilidades nos pecados da omissão.
Apelo à Juventude
Jovens, meus amigos e meus irmãos. ….. Muitas de minhas expectativas para
um mundo mais justo e mais humano têm sua razão e se apoiam nas juventudes.
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Se eu conheço vocês, estamos de acordo quanto à forma de ver o mundo, rachando com injustiças, que se tornam também pra vocês a violência número 1.
Vocês reconhecerão que, em geral, a juventude perde a paciência e parte para a radicalização e a violência armada. Sabem também que os governos estão prontos a reagir, de forma brutal, não tendo escrúpulos nem mesmo para usar torturas. A dúvida que vocês ou muitos de vocês têm é a propósito da validade da não-violência, mesmo quando se trata de um movimento positivo e exigente como movimento exigente
como a “Ação, Justiça e Paz”.
O que nos separa? Estamos de acordo com os objetivos: queremos um mundo mais justo e humano. Talvez vocês pensem que só a violência armada terá condições para abalar e demolir as estruturas desumanas que criam escravos. Sei da sinceridade que vocês têm e respeito a opção que vocês fazem. Não deixam ninguém indiferente à sua volta. Vocês provocam discussões. Que a juventude seja obrigada a pensar e tomar
posição: que esta seja incômoda como é a verdade e exigente com a justiça.
Ajudem a “Ação, Justiça e Paz”, apoiando-a, desafiando-a, discutindo-a. Talvez vocês se surpreendam ao descobrir que estão ajudando as minorias abraâmicas e se afirmarem e agirem. (Discurso na abertura da ‘Ação, Justiça e Paz’ para o plano mundial. Recife,
31.1/1.2 1970. Em: DOM HELDER CAMARA, Circulares Ação Justiça e Paz.
Volume V – Tomo I, p.p. 325-328. Editora CEPE, Pernambuco, 2022)