Causos do Dom: Uma Presença Incômoda
Colobaração do Prof. Martinho Condini
Extraído do livro Além das Ideias: histórias de vida de Dom Helder Camara. 1ª reimpressão. Félix Filho. Recife. Cepe. 2016. p.53-54.
Na reunião preparatória ao encontro do CELAM – Conferência Episcopal Latino Americana -, em 1966, em Mar Del Plata, na Argentina, Dom Helder Camara conseguiu impulsionar, entre os bispos, a ideia de integração do continente latino-americano. Embora sua presença fosse importante para a realização do encontro, pois a inspiração para o CELAM vinha principalmente de suas ideias, ele não era bem-vindo naquele país.
A Argentina estava vivendo uma ditadura comandada pelo general Onganía. O governo fez chegar aos bispos a informação de que não via com bons olhos a presença de Dom Helder no país. Mesmo antes de deixar o Brasil, a Sagrada Congregação dos Negócios Eclesiásticos Extraordinários do Vaticano já se preocupava com o teor dos seus pronunciamentos, chegando, inclusive, a enviar uma carta condenando várias passagens do texto que pretendia apresentar em Mar Del Plata.
A hierarquia da igreja católica na Argentina também se movimentou para controlar os passos do arcebispo brasileiro. Uma reunião foi às pressas pelo Núncio Apostólico para apresentar as orientações da Secretaria de Estado do Vaticano de neutralizar a presença do arcebispo brasileiro no país. A Igreja desejava tranquilizar o Governo Onganía.
Um grupo de bispos com prestígio e influência foi formado com única finalidade de acompanhar, muito de perto, todas as movimentações do arcebispo brasileiro em terras argentinas. Dom Jerônimo Podestá, bispo de Avellaneda, junto com outros dois colegas que depois teriam futuro brilhante na Cúria Romana – os bispos Pirônio e Quarracino, futuros cardeais – foram designados para a missão. Dom Helder, deveria passar incógnito na Argentina.
A “missão” incomodou demais a Podestá. Desde que o conheceu em Roma, durante o Concílio Vaticano II, a figura de Dom Helder o impressionou bastante. Comungava com seus ideais de uma igreja pobre e servidora. Decidiu que não prestaria a esse jogo diplomático. Constrangido com a situação, procurou Dom Helder para confessar as orientações do Núncio Apostólico para vigiá-lo pessoalmente. O bispo brasileiro não ficou impressionado com a informação e ainda tranquilizou o amigo:
– Não se preocupe. Em todo o canto aonde vou sempre colocam alguém para me vigiar, geralmente um bispo.
A presença de Dom Helder na Argentina, entretanto, não passou despercebida como queriam as autoridades. Mesmo proibido pelas autoridades eclesiásticas de dar entrevistas aos meios de comunicação social, foi procurado insistentemente por jornalistas, sacerdotes e leigos. Como Podestá observou anos depois, “ninguém conseguiu neutralizá-lo. Ele era a alma e o grande animador do congresso”.