Causos do Dom: Sou Pastor de Ambos os Lados

Causos do Dom: Sou Pastor de Ambos os Lados

Prof. Martinho Condini

As divergências entre Dom Helder Camara e os militares que tomaram o poder no País em 31 de março de 1964, poucos dias antes de sua posse como arcebispo de Olinda e Recife, não demoraram muito[…]. O confronto direto, entretanto, começou para valer quando tentaram obriga-lo a celebrar missas em comemoração ao aniversário da “Revolução”. Preocupado em não interromper o diálogo ainda existente com os militares, arrumava sempre uma desculpa. “Compromissos” anteriormente assumidos fora de Recife o impediam de participar das solenidades militares. A ausência de Dom Helder a partir das comemorações do 3º ano fez com que o exército lhe mandasse o seguinte recado:

“O artifício de sempre estar fora de Recife nas comemorações do golpe de 1964 não passou despercebido ao IV Exército, sediado no Recife. No terceiro aniversário do golpe militar, em março de 1964, recebeu uma visita no Palácio dos Manguinhos – na época ainda residência oficial do arcebispo – do general Muricy, velho amigo dos tempos do rio de Janeiro e que estava ocupando a chefia da Sétima Região Militar do Nordeste. Levava um recado duro: há um o descontentamento do regime com suas constantes ausências da cidade durante as solenidades militares em comemoração ao golpe de 1964”. 

O ultimato dado pelos militares o desagradou bastante, confidenciando aos amigos mais próximos de que “ser bispo nesta hora não é fácil”. O relacionamento com os militares não andava tão fácil e, ao mesmo tempo, sofria pressões de setores ligados à Igreja, especialmente estudantes e trabalhadores vinculados a Ação Católica, para aprofundar suas denúncias contra o novo regime. Sentia que sua obrigação como pastor o levava, cada vez mais, a não comungar com os “ideais” da revolução de 1964.

Aos poucos, seus pronunciamentos passaram a ser considerados “inoportunos” pelos militares. Um deles, uma entrevista numa emissora de televisão do Recife sobre o custo de vida, causou polêmica no Governo da época. Eram temas considerados “perigosos para a segurança nacional” como, por exemplo, o documento assinado por 14 bispos do Regional Nordeste II da CNBB, com críticas às condições dos trabalhadores.

Nesse clima de desconfianças tornava-se praticamente impossível aceitar qualquer convite para celebrar missas em homenagem ao golpe militar. Diante das pressões, encarregou o capelão militar de representa-lo no ato, enviando uma resposta por escrito ao general Muricy. Na mensagem, justificava sua ausência argumentando que “era uma cerimônia tipicamente militar e não religiosa”.

“Sou pastor. Se tenho filhos que veem no movimento de 31 de março de 64 a salvação nacional, tenho outros, não menos numerosos, feridos, esmagados, de maneira injusta, por ele. O movimento não merece ainda o nome de revolução”, confidenciou aos seus colaboradores.

Estava criado o impasse. A gota d’água que faltava para interromper, de vez, as relações com os militares. A reação foi imediata. Os militares passaram a considera-lo “uma pessoa não grata à revolução”. E a decisão tomada de partir para “liquidar esse homem”.

Era só o começo. O pior estava por vir!

O que mais incomodava o arcebispo, entretanto, eram as prisões de membros da igreja, muitos deles considerados seus “filhos espirituais”. Pessoas ligadas às diversas pastorais da Arquidiocese, membros da Ação Católica e jovens estudantes estavam sendo perseguidos, presos e interrogados sobre atividades subversivas. Sofria muito ao saber dos maus tratos aos presos. 

FILHO, Félix. Além das Ideias: histórias de vida de Dom Helder Camara. 1ª reimpressão. Recife. Cepe. 2016. p.89

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