Memória em Palavras: Atualidade das Proposições De Dom Helder Acerca das “Minorias Abraâmicas” (V)

Memória em Palavras: Atualidade das Proposições De Dom Helder Acerca das “Minorias Abraâmicas” (V)

  1. E existe chamado?
    De Abraão e de outros Pais de crentes e Condutores de multidões se diz, que
    ouviram o chamado de Deus.
    Podemos nós, também, escutar a voz do Senhor? Não será pretensão
    descabida, vaidade perigosa?
    Quem vive em áreas onde milhões de criaturas humanas vivem de modo sub-humano, praticamente em condições de escravidão, se não tiver surdez de alma, ouvirá o clamor dos Oprimidos. E o clamor dos Oprimidos é voz de Deus.
    Quem vive em países desenvolvidos e ricos, onde existem zonas cinzentas de
    subdesenvolvimento e de miséria, se tiver antenas espirituais, ouvirá o clamor
    silencioso dos sem-vez e sem-voz. E o clamor dos sem-vez e sem-voz é voz de
    Deus.
    Quem é despertado para as injustiças do Colonialismo interno (privilegiados de
    áreas subdesenvolvidas, que enriquecem à custa da miséria de concidadãos ou ricos de Países de abundância que não se decidem a possibilitar a promoção humana dos que vivem sem nível humano dentro de áreas desenvolvidas e ricas), se tiver grandeza d’alma captará os protestos silenciosos ou violentos dos Pobres. E o protesto dos Pobres é a voz de Deus.
    Quem acorda para as injustiças nas relações entre Países pobres e Impérios
    capitalistas ou socialistas, nota que, em nossos tempos, as injustiças já não ocorrem,
    apenas, entre grupos, mas entre Países e Países. E a voz dos Países injustiçados é a
    voz de Deus.
    Para despertar-nos, Deus se serve até dos gestos da radicalização e de violência. (Ele sabe tirar o bem do próprio mal).
    Como não sentir a urgência de agir, vendo que jovens, cheios de chama –
    certos no desejo de vencer as injustiças, errados nos métodos de violência armada,
    que atraem violência e radicalização – revelam, quando presos e torturados, uma fibra que custa a entender seja alimentada por u’a mística de puro materialismo!? … Quem tem olhos de ver e ouvidos de ouvir, sente-se interpelado: como ser medíocres, quando temos nossa mensagem religiosa para manter-nos e encorajar-nos!?
    Seremos tão surdos a ponto de não perceber que o Deus de amor nos alerta
    para o perigo real de a humanidade caminhar para o auto-suicídio? Seremos tão
    egoisticamente fechados de modo a não notar que o Deus de justiça exige que nos
    movamos e tentemos um esforço sincero para que as injustiças não continuem a
    asfixiar o Mundo e a preparar a guerra? Seremos tão alienados, tão distantes e tão
    frios, de maneira a dar-nos ao luxo de procurar Deus, em horas cômodas de lazer, em Templos luxuosos, sem tocá-Lo, lá onde Ele está, e nos espera, e exige nossa presença: no Humilhado, no Pobre, no Oprimido, no Injustiçado, sendo nós, muitas vezes coniventes com esta situação!?…
    (Abertura da AJP para o plano mundial. Recife 21-22.1.1971. 186.º Circular.
    Em: DOM HELDER CAMARA, Circulares Ação Justiça e Paz. Volume V –
    Tomo III, p.p. 61-63. (Editora CEPE, Pernambuco, 2022)

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