Causos do Dom: Padre Comblin: um Herege
Prof. Martinho Condini
O padre belga José Comblin chegou ao Brasil em 1958, com 35 anos de idade, atendendo o apelo do Papa Pio XII, que no documento Fidei donum (O Dom da Fé) pedia missionários voluntários para regiões com falta de sacerdotes. Depois de trabalhar em Campinas, Estado de São Paulo, e passar uma breve temporada no Chile, veio para Pernambuco em 1965, convidado por Dom Helder Camara para trabalhar no Seminário Regional do Nordeste. Passado algum tempo, o Dom Helder arcebispo foi chamado para uma conversa com o Núncio Apostólico.
– Lamento informá-lo que o senhor tem em sua assessoria um teólogo herege, o padre Comblin! – disse a queima-roupa o Núncio.
– Senhor Núncio – contestou – essa é uma denúncia gravíssima.
Afinal de contas, como bispo da Santa Igreja Católica tenho, como uma das minhas tarefas, zelar pela integridade da fé. Permita-me fazer apenas um pedido de ajuda. Quem sabe, por que não sou teólogo e apenas um pastor, não consiga perceber as heresias do padre Comblin. Peço-lhe reunir os seus assessores para que procedam uma análise minuciosa das suas obras e, caso detecte heresias, possamos agir em conjunto.
Marcaram um novo encontro, quando seriam apresentados os resultados da análise dos teólogos assessores da Nunciatura Apostólica. Ao se aproximar o prazo, telefonou para o Núncio confirmando a reunião. O Núncio, sem muitas explicações, marcou uma nova data, informando que não houve tempo suficiente para análise das obras do padre Comblin.
Novo encontro marcado e nada do Núncio apresentar o relatório dos assessores. Depois de muita insistência resolveu admitir:
– Não se pode dizer que haja alguma heresia formal nos livros escritos pelo padre Comblin. O que se percebe, porém, disseminado em toda sua obra, é um clima de heresia.
– O senhor há de convir – respondeu Dom Helder – que diante de um “clima de heresia” eu, como bispo, não posso agir. Seria preciso estar diante de uma heresia formal.
O Núncio Apostólico não teve como contestá-lo. Depois dessa conversa, nunca mais voltaram a tratar do assunto.
E o padre José Comblin continuou trabalhando no Recife até que, perseguido pelo regime militar, foi detido e deportado, em 1972, ao desembarcar no aeroporto de volta de uma viagem à Europa. Voltou ao Brasil somente em 1980, passando a morar em João Pessoa, na Paraíba. Morreu na Bahia, em 2011, onde viveu os últimos anos de sua vida.
FILHO, Félix. Além das Ideias: histórias de vida de Dom Helder Camara. 1ª reimpressão. Recife. Cepe. 2016. p.92-93