Memória em Palavras: A Atualidade das Proposições de Dom Helder a Cerca das “Minorias Abraâmicas” (IV)

Memória em Palavras: A Atualidade das Proposições de Dom Helder a Cerca das “Minorias Abraâmicas” (IV)

Escritos acerca das Minorias Abraâmicas (aprofundamentos)

Geraldo Frenckem

  1. Risco aceito por Deus
    Deus teria inúmeras maneiras de distribuir seus dons. Se fosse um tímido, se se
    prendesse a julgamentos precipitados e sem ase, prepararia seus dons, em doses
    rigorosamente iguais para todos. Ninguém se poderia queixar nem a mais, nem a menos; tudo numerado, etiquetado, registrado …
    Seria indigno da imaginação criadora do Pai. Seria de incrível monotonia, como se
    todas as criaturas humanas tivessem o mesmo rosto ou todas as flores tivessem o
    mesmo feitio, a mesma cor e o mesmo perfume.
    Deus aceita o risco de parecer injusto. Ninguém deixa de receber, pelo menos,
    o indispensável. Mas há quem receba, com largueza estonteante. No caso, aludimos às verdadeiras riquezas: às interiores. E há os ricos de dons divinos, os privilegiados da graça.
    Deus parece injusto, mas não é. Pede mais de quem recebe mais. Quem recebe
    mais, recebe em função dos outros. Não é maior, nem melhor: é mais responsável.
    Deve servir mais. Viver para servir.
    Não se apresse em dizer, comodamente – e, perdoe, sem muita convicção e
    sinceridade – que o seu caso é o de quem recebeu, se recebeu, apenas o essencial.
    Não perca tempo em pesar, medir e contar os dons recebidos. Importante não
    é ter recebido muito ou pouco. Importante é a firme decisão interior de responder, ao máximo, e de servir.
    Deus, pensando em todos, chama alguns. Decide-os a pular no escuro, a partir,
    a caminhar. Prova-os, através de sacrifícios terríveis. Mas, sustenta-os, encoraja-os.
    Dá-lhes a missão arriscada e bela de ser instrumentos de chamadas divinas.
    Encarregados de ser presença discreta na hora decisiva das opções. Deles faz
    animadores de caminhadas de outros, e muitos outros. Torna-os sinais de Deus,
    quando surgem as provações.
    Abraão foi chamado por Deus. Não vacilou um instante. Partiu. Caminhou.
    Enfrentou provações dificílimas. Aprendeu, à própria custa, a despertar irmãos, em
    nome de Deus. A chamar. A encorajar. A pôr em marcha …
    Judeus, Cristãos e Islamitas conhecem-lhe a história. Como se chamará, dentro
    das outras grandes Religiões, o pai dos crentes, o animador das caminhadas? …
    Abraão recebeu muito? Respondeu muito. Respondeu ao máximo. Serviu.
    Permitam os não islamitas, os não-cristãos, os não judeus, que, pensando nas
    Minorias chamadas a servir, nós as chamamos de Abraâmicas. Nada impede que cada raça e cada religião lhes dê nome equivalente e que mais corresponde ao próprio gênio religioso e à própria tradição.
    Perdoe se lhe venho quebrar a tranquilidade ou o comodismo. Por que, sem
    perder tempo em questionar se recebeu pouco ou muito, não examina, hoje, agora,
    aqui, se lhe veio ou não de Deus, a vocação incomoda, mas maravilhosa, cheia de
    riscos, mas apaixonante de estar a serviço da humanidade, como membro das
    Minorias Abraâmicas?
    Não pense, meu irmão, Humanista Ateu, que esteja esquecido. Por favor, vá
    traduzindo em sua linguagem o que digo na minha. Onde falo em Deus, quem sabe,
    você traduz por Natureza ou Evolução …..
    Se sente, em seu íntimo, desejo de responder às qualidades que possui, se o
    egoísmo lhe parece estreito e irrespirável; se experimenta fome de verdade, de justiça e de amor, saiba que pode e deve caminhar conosco. Sem saber e, talvez sem querer, é nosso irmão ou nossa irmã. Aceite a nossa fraternidade: nós nos entenderemos!
    (Abertura da AJP para o plano mundial. Recife 21-22.1.1971. 186.º Circular.
    Em: DOM HELDER CAMARA, Circulares Ação Justiça e Paz. Volume V –
    Tomo III, p.p. 58-60. (Editora CEPE, Pernambuco, 2022)

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