Memória em Palavras – Atualidade de Discurso de Dom Helder Camara ao Redor do Mundo – 1970 (V)
Para além das barreiras É possível
Geraldo Frencken
É possível um movimento mundial, quando há barreiras
tão numerosas, criando divisões entre as pessoas e barreiras que,
frequentemente, parecem intransponíveis? Sem desconhecer os
problemas criados pela diferença de raças, línguas, religiões, sem
esquecer os ódios, as lutas, a frieza, o egoísmo, seria um sonho
ou ilusão pensar que, por toda parte, há pessoas maduras para
exigir, de uma maneira pacífica mas decidida, a justiça como condição de paz?
Qualquer que seja a cor de sua pele, a forma de seus lábios e do seu nariz, o
seu tamanho, você não é nem um sub-humano nem um super-humano. Você é uma
criatura humana. Você é cabeça, é coração, aspirações e sonhos. Mais importante
ainda, o Criador e o Pai têm todo um plano de realização humana para você.
Se você pertence a um clã, a uma família, a uma raça, pertence também à
família humana. As injustiças que encontra em casa existem por toda parte.
Tendo um amor especial pela sua raça, pelo seu povo, trate de se assemelhar a
todas as pessoas determinadas a construir um Mundo mais solidário e mais humano.
Qualquer que seja a língua que você fala – seja pouca conhecida ou muito
conhecida, seja considerada primitiva ou rica – seremos capazes de nos compreender
uns aos outros.
O olhar, o sorriso, gestos de paz e amizade, delicadezas são uma linguagem
universal, capaz de demonstrar que nos mantemos muito mais próximos uns dos
outros do que imaginamos. Onde quer que o bem toque, a injustiça venha ferir, a paz é
um ideal.
Controle sua língua. Ame os seus sons, a sua modulação, o seu ritmo. Mas
procure caminhar junto com pessoas de idiomas diferentes, distantes da sua, mas que
desejam, como você deseja, um Mundo mais justo e mais humano.
Qualquer seu seja seu país – um pequeno clã no meio de tribos inimigas ou o
chefe um império espalhado pela terra – saiba que, no seu país, eu não serei um
estranho. É verdade que eu próprio tenho um país. No entanto, mesmo respeitando e
amando o lugar onde o Senhor me deu à luz e tendo laços especiais com os meus
semelhantes, me sinto, acima de tudo, um homem no meio dos homens, um irmão no
meio dos irmãos.
Você compreende este raciocínio? Dirá que sim, mas pensará que as pessoas
pensam e agem de forma muito diferente. Existem fronteiras, alfândegas, barreiras,
distâncias, o egoísmo gritando aos outros, de fora, que eles e elas são estrangeiros/as.
Venha nos ajudar a construir juntos um Mundo onde todos os seres humanos se
reconheçam e amem uns aos outros como irmãos.
Qualquer que seja a sua religião, tente exigir que em vez de separar as pessoas,
as ajude a uni-las. Guerra religiosa! Não será esta tristeza, uma contradição nos
termos, um absurdo? Deus é Amor. A religião deve aproximar as pessoas. Nos
ensinamentos da sua fé, quais são os princípios, as diretrizes que exigem justiça e paz?
Se a vida o distanciou da prática religiosa ou mesmo da fé, talvez ainda ame a verdade
e seja capaz de sofrer em nome da justiça. Então poderá nos ajudar enormemente e
servir de exemplo em tempos difíceis.
Para além das barreiras, vamos nos unir! Se as Minorias que lá estão e existem,
em todas as raças, todas as línguas, todos os países, todas as religiões, conseguirem se
reunir na Ação, justiça e Paz, temos direito a esperar!
(Discurso na abertura da Ação, Justiça e Paz para o plano mundial. Recife
31.1/1.2 1970. Em: DOM HELDER CAMARA, Circulares Ação Justiça e Paz.
Volume V – Tomo I, p.p. 321-322. (Editora CEPE, Pernambuco, 2022)