Memória em Palavras : A Atualidade de Discurso de Dom Helder Camara ao Redor do Mundo – 1970 (II)

Memória em Palavras : A Atualidade de Discurso de Dom Helder Camara ao Redor do Mundo – 1970 (II)

A violência atrai violência

Geraldo Frencken


Ninguém nasceu para ser escravo …
Ninguém nasceu para ser escravo. Ninguém gosta de injustiça, humilhação, coerção. Uma criatura humana que jaz em situação subumana faz lembrar um animal – um boi, um burro jogado na lama.
Ora. O egoísmo de alguns grupos privilegiados leva multidões a uma condição de vida sub-humana, submetida à coerção, humilhação, injustiça; vivendo sem perspectivas, sem esperança, situação característica dos escravos.
Esta violência estabelecida, esta violência N.º 1, atrai a violência N.º 2: a revolta, dos próprios
oprimidos contra eles mesmos ou a violência da juventude e de tantos que resolvem lutar por um Mundo mais justo e mais humano.
É certo que há, de continente em continente, de país a país, de cidade à cidade, variações, diferenças, graus e matizes no que diz respeito a esta violência N.º 2.
De uma forma geral, os Oprimidos abrem os olhos.
As Autoridades e os privilegiados se alarmam com a presença de agentes de fora aos quais chamam de ‘subversivos’, ‘agitadores’, ‘comunistas’. Algumas vezes são mesmo pessoas empenhadas em ideologias de extrema esquerda, que lutam pela libertação dos oprimidos e fazem isso através da violência armada. Outras vezes, são pessoas que, sendo religiosas, não aceitam mais a religião alienada e alienante, mas desejam-na ao serviço da promoção humana de todas as pessoas que se encontram numa
condição sub-humana.
Autoridades e privilegiados olham os dois grupos com o mesmo olhar e pensam que as pessoas religiosas (eclesiásticos e leigos) que trabalham pela reforma de base, pela mudança das estruturas, trocam a religião pela política, caem no esquerdismo ou, pelo menos, são pessoas ingênuas que preparam o caminho para o comunismo.
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Quando os oprimidos têm alguma possibilidade de ação direta, acabam se envolvendo em agitações mais ou menos profundas, agudas ou prolongadas. Quando, por não poderem mais esperar, caem em certo fatalismo, ou quando a reação (das forças do Estado ou dos opressores) é violenta demais, isso os intimida. As injustiças os forçam a agir de uma forma que não está de acordo com seus próprios valores (é a violência n.º 2). Isso atinge principalmente a juventude, que perdeu a paciência por não crer que os privilegiados possam renunciar a seus privilégios. A juventude vê frequentemente os
governos por demais aprisionados às classes mais altas e privilegiadas. Ao mesmo tempo, a juventude também perdeu a confiança nas Igrejas, que têm belas doutrinas, grandes textos e conclusões notáveis, mas isso não é acompanhado por uma decisão de agir de acordo com a palavra que dizem. Daí vem a tentação da radicalização e da violência.
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Se algum canto do mundo permanece calmo, mas se trata de uma
tranquilidade baseada obre injustiças, isso é como a calma dos pântanos nos quais há fermentações venenosas. Trata-se de uma serenidade mentirosa.
A violência atrai violência. Repitamos sem temor e sem cessar: as injustiças (violência n.º 1)) atraem a violência n.º 2: a revolta, seja dos próprios oprimidos, seja da juventude que resolve lutar por um Mundo mais justo e mais humano.


(Discurso na abertura da Ação, Justiça e Paz para o plano mundial. Recife
31.1/1.2 1970. Em: DOM HELDER CAMARA, Circulares Ação Justiça e Paz.
Volume V – Tomo I, p.p. 315.316 (Editora CEPE, Pernambuco, 2022)

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