Causos do Dom: O Vinho
Prof. Martinho Condini
Sempre que viajava para fora do país, Dom Helder era alvo de muitas atenções, tanto da imprensa quanto de pessoas que queriam simplesmente estar junto dele. Não faltavam convites para jantares, encontros e conversas. Não atendia a todos, claro. Escolhia alguns que achava interessante e que poderia ajudá-lo na divulgação das “causas” do terceiro mundo, da não-violência, da busca de justiça social. Entendia que o chamado primeiro mundo, os países desenvolvidos, deveriam não só ajudar os países em desenvolvimento, mas, sobretudo compreendê-los. Nessa missão, aceitava alguns convites, nem sempre agradáveis.
Numa de suas viagens à Europa jantou na casa de uma pessoa importante. Ambiente fino e requintado. Com tantos talheres e taças à sua frente que nem sabia nem por onde começar. Como sempre, gesticulou muito ao falar e se expressou com desenvoltura num francês não muito acadêmico. Em um determinado momento, alguém, no outro lado da mesa, começa a imitar sua voz e seus gestos, tentando ridicularizá-lo.
O Dom percebe o que está acontecendo e, de repente, dá um toque na borda de seu cálice de vinho, com a ponta dos dedos. O vinho tinto se esparrama na toalha branca e se instala um silêncio acanhado diante do que todos percebem como sendo um desafio. Anos depois contou essa história ao padre Eduardo Hoonaert, confessando:
– Como era maravilhosa a mancha vermelha sobre o linho branco!
Sobre o fim do jantar, não lhe contou nada mais!
FILHO, Félix. Além das Ideias: histórias de vida de Dom Helder Camara. 1ª reimpressão. Recife. Cepe. 2016. p.96.