Causos do Dom: O Conservador e o Progressista

Causos do Dom: O Conservador e o Progressista

Prof. Martinho Condini

Era o início da década de 1970. Frei Damião, considerado no Nordeste como o sucessor do padre Cícero, apesar de ter como residência o Convento da Penha, no bairro de São José, no Recife, ainda não tinha tido uma oportunidade de se encontrar com o arcebispo. Na verdade, o frade capuchinho passava pouco tempo na cidade. Natural de Bozzano, na Itália, desde que chegou ao Brasil, 1931, percorria constantemente os sertões pregando as “Santas Missões”. Durante 66 anos pregou, confessou, realizou casamentos e batizados por quase todo o Nordeste. Horas e horas, dias e dias, semanas e semanas seguidas, sempre o mesmo ritmo de confissões sem fim.  Foram mais de 11 mil pregações, cinco mil casamentos e 155 mil crismas, segundo contabilizou o Mapa das Missões da Custódia Provincial de Pernambuco, somente no período de 1931 a 1949.  

Sua atuação pastoral era motivo de controvérsias dentro da própria Igreja Católica. Muitos padres e bispos progressistas o criticavam abertamente. Seis dioceses do Nordeste, nos anos de 1960 a 1970, proibiram a atuação do missionário. Em Pernambuco, a diocese de Afogados da Ingazeira, por exemplo, chegou a divulgar notas proibindo as pregações do frade. Os bispos consideravam as missões centralizadas no combate: ao pecado, a outras religiões e com ameaças de inferno a quem não seguissem as doutrinas católicas, inadequadas e conservadoras. As pregações destoavam do espírito do Concílio Vaticano II (1962-1965).

Os seminaristas do Instituto de Teologia do Recife – ITER, centro de formação de futuros padres do Nordeste, segundo relato do ex-professor e historiador Eduardo Hoornaert, num encontro com frei Damião o indagaram sobre a Teologia da Libertação. O frade simplesmente riu e falou: “Vocês jovens façam a sua teologia da libertação. Deixem-me fazer as minhas pregações”.

Os ânimos entre progressistas e conservadores, nesta época, estavam acirrados e as relações não andavam nada boas. Enquanto isso, religiosos trabalhavam nos bastidores para promover o encontro entre Dom Helder e frei Damião. Só assim, pensavam, seria possível acalmar os ânimos entre as duas alas da igreja. As articulações eram discretas porque haviam temores que o arcebispo, um progressista, recusasse a proposta. E um frade capuchinho, um conservador, também temia o encontro.

Mas um dia, o encontro se deu. Dom Helder, emocionado e sem pronunciar qualquer palavra, ajoelhou-se reverentemente e beijou os pés de frei Damião. Depois trocaram emocionado abraço.

Os religiosos presentes, testemunhas do encontro histórico, não conseguiram conter as lágrimas!      

FILHO, Félix. Além das Ideias: histórias de vida de Dom Helder Camara. 1ª reimpressão. Recife. Cepe. 2016. p.36-37

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