Causos do Dom: O Penico
Prof. Martinho Condini
Uma família muito amiga, cujo patriarca estava bastante esclerosado, convidou Dom Helder para um jantar. Era o aniversário do velhinho, que, segundo relato dos seus familiares, estava muito bem de cabeça, lúcido.
– Trata-se de um jantar só para a família. É uma situação delicada e o senhor é uma pessoa de casa. Estamos aproveitando a oportunidade porque ele está ótimo. Ele está direitinho, não está trocando as pessoas e consegue manter uma boa conversa. Nós queremos lhe dar essa alegria, principalmente da sua presença entre nós.
Do Helder chegou na hora combinada, como gostava de fazer. Na casa, tudo pronto. A mesa bonita, arrumada com melhor louça. O patriarca na cabeceira, todo arrumado, bem vestido, com um impecável terno branco. Passado algum tempo, ainda o jantar sendo servido, o homem saiu da mesa com o prato na mão. Ninguém se preocupou nem se levantou para acompanhá-lo. Parecia uma atitude normal. Mas, ao voltar, não mais trazia o prato, mas sim um orinol no lugar do prato. O constrangimento foi geral! A família ficou sem saber o que fazer naquele momento. O arcebispo pediu iluminação a Deus para salvar aquela situação. Chamou para si a responsabilidade.
– Meu amigo, você fez uma coisa que, quem sabe, muitos de nós gostaríamos de fazer e temos vergonha. Homenagear este amigo muito fiel. Ele está sempre junto a nós, ao pé de nós, no recanto mais íntimo da nossa casa. Assiste aos nossos segredos mais pessoais e nada revela. Feliz a sua ideia de homenagear esse amigo que é como um criado silencioso e sempre a nossa disposição. O chefe da casa ao trazê-lo para a mesa, ninguém melhor que o arcebispo a conduzi-lo de volta.
E num gesto que deixou todos surpresos, levantou-se, foi até a cabeceira da mesa, pegou o penico em passo de procissão, salvando a situação.
FILHO, Félix. Além das Ideias: histórias de vida de Dom Helder Camara. 1ª reimpressão. Recife. Cepe. 2016. p.89