Atualidade: Na face do Pobre, o Próprio Cristo

Atualidade: Na face do Pobre, o Próprio Cristo

SOU FELIZ, SENHOR, PORQUE

TU VAIS COMIGO

Tudo tão difícil,

tão escuro,

tão impossível…

Remover montanhas,

aterrar mares,

dar ouvido a surdos,

olhos a cegos,

ressuscitar mortos,

evangelizar ricos

em nome dos pobres…

Só me conforta pensar

que meu papel

é emprestar-Te

meus pés,

minhas mãos,

meus olhos, 

minha voz, 

meu pobre corarão humano 

que aprendeu com o teu 

o mistério da fraqueza humana…”

Dom Helder Camara – Recife, 8/9:1.70

Em seu livro “Quando a Vida se Faz Dom”, o escritor e  historiador Eduardo Hoornaert fala sobre a  Irrupção do Evangelho, pela qual passou Dom Helder, em 1955, logo após o encerramento do Congresso Eucarístico Internacional, organizado por ele e que aconteceu em julho de 1955.

Eduardo nos fala: Na página 233 da biografia de Helder Camara escrita por Piletti e Praxedes, leio o seguinte relato: “Poucos dias antes de retornar a seu país, o cardeal Gerlier (de Lyon, na França), um dos participantes do Congresso Eucarístico, fez questão de conversar com Dom Helder. Depois de elogiá-lo pelo êxito do Congresso, o cardeal resolveu lhe lançar um apelo: “Permita-me falar-lhe como um irmão, um irmão no batismo, um irmão no sacerdócio, um irmão no episcopado, um irmão em Cristo. Você não acha que é irritante todo esse fausto religioso em uma cidade rodeada de favelas? Eu tenho certa prática em organização e por ter participado desse Congresso devo dizer-lhe que você tem um talento excepcional de organizador. Quero que faça uma reflexão: por que, querido irmão Dom Helder, não coloca todo esse talento de organizador que o Senhor lhe deu ao serviço dos pobres? Você deve saber que o Rio de Janeiro é uma das cidades mais belas do mundo, mas é também uma das mais espantosas, porque todas essas favelas, nesse quadro de beleza, são um insulto ao criador”. Helder teria respondido, na hora: Este é um momento de virada em minha vida. Todo o dom que o Senhor me confiou, colocarei a serviço dos pobres.”

E, a partir daquele dia Dom Helder passou a se dedicar à luta pela promoção da vida, pela dignidade dos sem voz e sem vez, os despossuídos do mundo.

Em 1964, alguns meses depois de ter assumido a Arquidiocese de Olinda e Recife, nas meditações do Pe. José, Dom Helder nos brinda com esse belíssimo poema:

“ESTOU FELICÍSSIMO

Teus pobres descobriram

nosso Palácio.

Entram sem medo.

Pisam firme

como quem entra

na própria casa.

Espalham-se

pelas salas numerosas.

sentem-se à vontade.

Ri a mais não poder

encontrando um velhinho

sentado, tranquilo,

no trono

que não quis ocupar.

Nunca entendi tanto

o Cristo Rei.”

Recife, 18/19.4.64

Na apresentação do livro “Meus Queridos Amigos”, a organizadora Tereza Rozowykwiat, escreve:  “Em sua defesa intransigente dos pobres e oprimidos, não poupou nem mesmo a Igreja, não perdendo oportunidade de se referir ao papel social que cabia à instituição. Baseado na Teologia da Libertação ele foi o primeiro arcebispo de Olinda e Recife a colocar os pés na lama das favelas e compartilhar das angústias e dificuldades dos miseráveis. Muito longe de ser um assistencialista, lutava por soluções reais para a superação da pobreza, não só no Brasil como no mundo.”

No dia 14 de março de 1968, reforçando sua assinatura do Pacto das Catacumbas, Dom Helder se mudou do Palácio dos Manguinhos e foi morar por trás do Altar da igreja das Fronteiras. Lá ele podia conviver diretamente com os pobres, cultivar suas amadas rosas, sentir o perfume dos jasmins, vivendo com a simplicidade que tano combinava com ele.

Em seu programa de rádio Um Olhar Sobre a Cidade, Dom Helder, de segunda a sábado, lia um crônica, escrita por ele, falando sobre o dia a dia e suas peculiaridades.

Em 1974, no dia 5 de abril, em sua crônica Mocambos: Cristo na Lama, Dom Helder escreveu: “No ano passado, em nossa cidade, um ladrão entrou numa igreja, abriu o Sacrário, levou as âmbulas em que estavam hóstias consagradas. Mas o que interessava a ele eram as âmbulas, com o interior banhado a prata ou ouro… As hóstias consagradas, ele as jogou na

lama. Quando, horas depois as hóstias foram encontradas, mergulhadas

na lama, houve um arrepio na cidade.

Que horror! Cristo na lama!

Houve quem lembrasse uma procissão de desagravo. Foi quando

sementei: Como somos cegos! Nós temos Cristo na lama, de modo

permanente, em volta de nós! Quanto mocambo, quanto barraco

que não merece o nome de casa e não raros mocambos, barracos

mergulhados na lama!

Aqui está a primeira ideia que nos deve acompanhar sempre,

mas, sobretudo durante a Semana Santa: ótimo contemplar a imagem

do Bom Jesus dos Passos. Ótimo fazer a Via Sacra, e fazendo a

Via Sacra e contemplando o Bom Jesus dos Passos nossos olhos se

abrem para descobrir o Cristo vivo em quem está sofrendo, humilhado,

oprimido…”

Por conta de sua postura de estar sempre ao lado dos pobres, foi perseguido, xingado, ameaçado de morte.

Isso nos lembra alguma coisa? Nos lembra a história se repetindo hoje, quando o Pe. Júlio Lancellotti passa pelas mesmas perseguições que o Dom passou. A ditadura acabou, a democracia vem resistindo a duras penas, mas o preconceito contra os pobres não mudou nada. Na verdade, só vem piorando com o passar do tempo.

Ao vermos a trajetória do Pe. Júlio, vemos que ele percorre o mesmo caminho que Dom Helder percorreu, alimentado pela fé que lhe revelou que cada faminto, cada caído na lama, cada doente, cada pessoa sem teto, é a presença viva do Cristo que clama por um pedaço de pão, um lugar para morar, um emprego, uma esperança de dias melhores.

Assim como Dom Helder foi enquanto vivia entre nós e continua sendo, através de seu exemplo, seus escritos e do testemunho dos que com ele conviveram, Pe. Júlio é o mensageiro dessa esperança.

Ao Pe. Júlio toda a solidariedade e o apoio em sua luta, levando aos marginalizados e excluídos da sociedade um pouco de luz, nas sombras em que foram levados a viver.

Força Pe. Júlio! Que a sua fidelidade ao evangelho lhe fortaleça e alimente a sua caminhada.

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