Causos do Dom – O Báculo e a Mitra
Prof. Martinho Condini
Numa noite de Natal, na Sé de Olinda, Dom Helder recusou-se a usar o báculo e a mitra, símbolos do seu poder como bispo, que Gilvan, o sacristão, havia separado para uso naquela celebração. “Aliás, nem báculo ele tinha. Quando precisava utilizava o de Dom Lamartine, seu bispo auxiliar. Só usava báculo na marra”, relembrou o sacristão da Sé. Inconformado com a decisão, ele continuou insistindo no uso do báculo e da mitra. Dom Helder saiu com uma resposta inesperada:
– Não é preciso, Gilvan, o senhor já nasceu!
Passado algum tempo, desta vez num Sábado de Aleluia, na cerimônia da Vigília de Páscoa, insistiu novamente para que o arcebispo usasse o báculo e a mitra. Ele mais uma vez recusou:
– O senhor já ressuscitou, Gilvan. Ele está na glória eterna!
O sacristão ficou impaciente e resolveu enfrentar o bispo:
– Assim o senhor nunca vai usá-los. Porque um dia Ele nasceu e no outro Ele já ressuscitou!
Dom Helder deu uma risada e decidiu, naquela noite, usar mitra e báculo pela primeira vez. E, a partir desta data, relembrou Gilvan, passou a lhe obedecer religiosamente: “Se eu colocasse um paramento de estopa ou dourado a ouro, ele vestia calado. Não dizia sim nem não”.
FILHO, Félix. Além das Ideias: histórias de vida de Dom Helder Camara. 1ª reimpressão. Recife. Cepe. 2016. p.98-99.