Causos do Dom: Dom Pedro Casaldáliga: um Livro Herético e Erótico

Causos do Dom: Dom Pedro Casaldáliga: um Livro Herético e Erótico

Prof. Martinho Condini

Nas constantes visitas ao Vaticano Dom Helder travou diálogos inteligentes e interessantes com os mais altos dignitários da Cúria Romana. Com seu jeito característico de falar, defender claramente, sem temor, colegas bispos brasileiros e posicionamentos da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB.

Em 1978, às vésperas da realização da III Conferência Geral do Episcopado Latino Americano, realizada no ano seguinte em Puebla, no México, Dom Helder esteve em Roma para um encontro com o cardeal Sebastião Baggio, prefeito da Sagrada Congregação para os bispos e presidente da Pontifícia Comissão para a América Latina.

Presidida pessoalmente pelo Papa João Paulo II, a Conferência de Puebla como ficou conhecida posteriormente, despertava, à época, paixões e grandes interesses dentro da Igreja Católica. Grupos conservadores temiam o aprofundamento da opção pelos pobres e o fortalecimento e crescente influência das Comunidades Eclesiais de Base, decisões tomadas pela Igreja Latino-Americana dez anos antes, em Medellín, na Colômbia.

Enquanto a Igreja progressista no Brasil se articulava para assegurar os avanços na linha pastoral, bispos conservadores realizavam visitas de intimidações ao Vaticano para colocar obstáculos à preparação da conferência. Um desses encontros colocou frente a frente, em Roma, o cardeal Baggio e o arcebispo de Olinda e Recife. O tema da reunião, realizada na Congregação dos Bispos, era a preparação da Conferência em Puebla.

– O que eu lamento – disse o cardeal – é que, mais uma vez, vocês vão vencer na América Latina.

– Senhor cardeal, eu não entendo bem o que quer dizer com “vamos vencer”?  

– É isso mesmo! Mais uma vez vocês vão vencer!

– Senhor cardeal – insistiu Helder – permita-me dizer que eu não compreendo essa linguagem na Igreja. Se há alguém que deve vencer em Puebla, esse alguém se chama Jesus Cristo.

Sebastião Baggio era um velho conhecido de Dom Helder, desde os tempos de sua passagem no Brasil pela Nunciatura Apostólica. Apesar de trilharem caminhos opostos na hierarquia católica, se respeitavam mutuamente.

No encontro seguinte, também em Roma, Baggio desta vez aproveitou para criticar Dom Pedro Casaldáliga, bispo da Prelazia de São Félix do Araguaia, no Mato Grosso, poeta e escritor.  

– Nos conhecemos há vários anos. Não concordamos em tudo, mas eu tenho convicção de que o senhor é um homem de Deus. Mas Pedro Casaldáliga é um bispo Herético que publicou recentemente um livro erótico.

– O senhor leu o livro? O cardeal hesitou um pouco na reposta. Dom Helder voltou-se para ele e disse em latim: – Adjuro ter per Deum vivum (ponho-te juramento em nome do Deus vivo). Leu ou não leu?

Baggio reconheceu que não leu o livro do bispo Pedro Casaldáliga, mas afirmou ter a confirmação de assessores confiáveis de que o livro era erótico. Dom Helder lembrou ao cardeal a seriedade da acusação, principalmente partindo do prefeito da Sagrada Congregação para os Bispos e advertiu:

– Não posso aceitar que o senhor espalhe que o livro de um bispo é herético e erótico, sem ter lido o trabalho de comprovar em primeira mão. Isso é muito grave!

O cardeal parece não ter engolido bem as constantes contestações do arcebispo de Olinda e Recife. No ano seguinte, quando esteve novamente em Roma, Dom Helder não foi mais recebido em audiência no gabinete da Congregação para os Bispos, no Vaticano. Baggio o atendeu apressadamente, de pijama, no seu apartamento privado.

FILHO, Félix. Além das Ideias: histórias de vida de Dom Helder Camara. 1ª reimpressão. Recife. Cepe. 2016. p.94-95

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