Causos do Dom: Clélia, um sinal de Deus
Prof. Martinho Condini
O primeiro encontro da argentina Clélia Luro com Dom Helder foi divino. Algo, como ela mesma diz, difícil de relatar com palavras. Simplesmente luminoso! Aconteceu em Mar del Plata, na Argentina, durante o encontro preparatório ao Celam – Conselho Episcolpal Latino-Americano, em 1966.
Na época, trabalhando para a revista “Imagem do País”, foi escalada para fazer uma entrevista com o arcebispo brasileiro. Os jornalistas que cobriam a reunião, aproveitando os intervalos das sessões, tentavam se aproximar dos bispos. Ocupavam, com suas máquinas fotográficas e gravadores, um largo corredor que servia de passagem aos prelados.
Apesar de aconselhado pelas autoridades eclesiais a não dar entrevistas, para evitar problemas com o governo ditatorial argentino, Dom Helder era o centro das atenções da mídia nacional e internacional. Sua simples passagem provocava um reboliço entre os profissionais de imprensa. Todos queriam uma foto, uma entrevista, uma simples declaração daquele que, já naquela época, despontava como o porta-voz da hierarquia católica progressista da América Latina.Naquele grupo de jornalistas, um pouco tímida, estava Clélia Luro.
Quando o viu não teve coragem de aproximar-se. “Eu fiquei quieta. A serenidade e a força que vinham dele era muito grande” recordaria anos depois. Ele, que nunca a tinha visto antes, conseguiu se afastar da pequena multidão de repórteres e se dirigiu diretamente para onde ela estava. Tomou as suas mãos e disse:- Você tem o sinal de Deus!Depois, repetiu a mesma frase tocando nos olhos e na boca de Clélia. Ela imaginou estar sonhando. O corpo todo tremia. O arcebispo, sem lhe dar tempo de qualquer reação, complementou:- Eu não vinha a Argentina, mas agora sei porque vim!
Dom Jerônimo Podestá, bispo de Avellaneda, diocese da região metropolitana de Buenos Aires, que acompanhava a cena um pouco distante, resolveu se aproximar para fazer uma apresentação formal de Clélia.- Não necessitamos de apresentações, pois já nos conhecemos desde as entranhas de Deus, interrompeu Helder com um largo sorriso.O fotógrafo da revista, que estava acompanhando tudo desde do início, registra a cena. Foi a foto de capa da revista. Um largo sorriso de Dom Helder ao lado de Jerônimo Podestá. E o título: “Bispos para o Terceiro Mundo”.
A entrevista somente seria concedida em Buenos Aires, no retorno ao Brasil. Ele em principio resistiu. “Por obediência não darei nenhuma entrevista em Mar Del Plata”. Devo permanecer em silêncio”. Mas logo foi encontrando um jeitinho bem brasileiro. “Quem sabe em Buenos Aires eu possa falar…” Esse primeiro encontro selaria uma amizade que perdurou até o final da vida de Dom Helder. Mesmo após o casamento de Clélia Luro com o bispo Jerônimo Podestá, quando ela passa a sofrer perseguições e discriminações de toda ordem, permaneceu seu fiel amigo.
FILHO, Félix. Além das Ideias: histórias de vida de Dom Helder Camara. 1ª reimpressão. Recife. Cepe. 2016. p. 55 – 56