Causos do Dom: Abdias
Prof. Martinho Condini
O padre e historiador Eduardo Hoonaert, belga de nascimento e brasileiro de coração, foi
procurado num final de tarde de 1981, na casa paróquia do Alto do Pascoal, um dos bairros da
periferia de Recife, por Abdias do Nascimento, um dos pioneiros do movimento de combate a
discriminação racial no Brasil. Escritor, jornalista e ex-parlamentar, Abdias foi preso duas vezes
por protestar contra a discriminação e a ditadura do Estado Novo, na era do presidente
Getúlio Vargas. Estava fora do Brasil há 13 anos, exilado pelo regime militar que se instalou no
país em 1964. De volta ao Brasil queria reencontrar Dom Helder Camara. Eles tiveram alguns
encontros na época da fundação do Teatro Experimental Negro (TEN), que funcionou de 1944
a 1968, no Rio de Janeiro. – Estou passando uns dias no Recife e quero saber como consigo falar com Dom Helder? Hoje nem sei se ele ainda lembra-se de mim!
O padre Eduardo decidiu que a melhor maneira de falar com o arcebispo seria depois da
celebração da missa, às sete horas da manhã, na Igreja da Fronteiras. Abdias ficou aguardando do lado de fora enquanto o padre tentava conseguir uma audiência.
- Abdias do Nascimento está aqui e quer falar com o senhor!
- Quem? Eu não sei quem é Abdias, respondeu Dom Helder. – É o líder negro que o senhor conheceu no Rio de Janeiro anos atrás. Ele está aqui no Recife e gostaria de uma audiência.
Mesmo sem conseguir lembrar, o arcebispo autorizou a entrada do visitante.
Minutos depois, quando Abdias Nascimento entrou na sacristia da Igreja. Dom Helder avançou em sua direção, o abraçou afetuosamente e soltou a voz: - ABDIAS!
Até hoje essa palavra ressoa na memória de Eduardo Hoonaert.
Quando saíram do encontro, depois de demorada e animada conversa, de volta para casa no fusca do padre, Abdias diz maravilhado: - E dizer que ele lembrou meu nome…
FILHO, Félix. Além das Ideias: histórias de vida de Dom Helder Camara. 1ª reimpressão. Recife. - FILHO, Félix. Além das Ideias: histórias de vida de Dom Helder Camara. 1ª reimpressão. Recife. Cepe. 2016. p.76-77.