Causos do Dom: A Solidariedade e a Luta Contra Todas as Formas de Violência e Exclusão

Causos do Dom: A Solidariedade e a Luta Contra Todas as Formas de Violência e Exclusão

Prof. Martinho Condini

A prisão de dois padres americanos da Congregação Oblatos de Maria Imaculada, que atuavam como missionários em bairros da periferia de Recife, no dia 16 de dezembro de 1968, três dias após a decretação do AI-5, dava início, juntamente com o regime de exceção que se instalava oficialmente no país, às perseguições mais duras à Igreja de Olinda e Recife.

Os padres Pedro e Dário, foram presos logo após a missa paroquial do domingo à noite, juntamente com alguns leigos, acusados de subversão. Os dois sacerdotes, que eram estrangeiros, ficaram incomunicáveis e, após negociarem com os militares, aceitaram ser expulsos do Brasil desde que os leigos presos na mesma operação, fossem soltos sem ser fichados ou processados.

O desfecho do caso ocorreu nove dias depois, na véspera do natal de 1968. Os padres foram libertados e, antes da expulsão do país, se dirigiram, acompanhados por policiais, à casa dos padres Oblatos. A polícia proibiu visitas e não permitiu que os paroquianos ficassem sabendo o dia nem a hora da viagem.

Aquele natal seria especial na casa dos padres, no bairro do Jordão. Uma noite bastante fraterna. Nada de festas ou comemorações, apenas o espírito natalino de paz e fraternidade, como o próprio nascimento de Jesus, numa manjedoura “porque não havia lugar para eles” (Lc 2,7). Dom Helder decidiu passar a noite por lá, como sinal de solidariedade aos sacerdotes perseguidos.

Na hora da ceia natalina foi servida apenas uma sopa. Depois, juntos, concelebraram a missa. A polícia continuava na porta vigiando.

No dia seguinte, par a surpresa de todos, inclusive dos policiais, uma pequena multidão compareceu ao Aeroporto de Guararapes para a despedida dos sacerdotes. A informação da hora do voo correu por toda a noite, como a estrela de Belém anunciando aos pastores o nascimento do Salvador. Eram paroquianos do Jordão, Ibura, Dois Rios, Imbiribeira e Brasília Teimosa. Gente vinda dos bairros pobres de Recife onde os padres Oblatos atuavam.

Quando os padres Pedro e Dário chegaram ao aeroporto, sempre escoltados por policiais do Dops, o povo começou a cantar hinos religiosos e bater palmas. Dom Helder temeu pela situação. A polícia, na verdade, não estava gostando nada daquela manifestação. De onde apareceu todo aquele povo? Como fazer para controlar e impedir qualquer manifestação? Um delegado imediatamente se apresentou e ordenou que todo o povo se dispersasse, alegando que aquele tipo de reunião constituía um atentado à segurança nacional. O impasse estava criado.

Dom Helder se aproximou do delegado e disse que se o povo fosse embora ele também iria. O delegado ficou num impasse. Manter a ordem naquele momento significava colocar para fora do aeroporto também o arcebispo de Olinda e Recife. Dom José Lamartine, bispo auxiliar, procurou intervir também para tentar resolver o impasse.

– Como os americanos vão reagir quando souberem que o regime militar brasileiro é frágil a ponto de sentir-se desestabilizado por um punhado de pessoas desarmadas, pobres, reunidas com o único propósito de prestar solidariedade aos padres que atuava nas suas comunidades? – indagou ao delegado.

A situação cada vez estava mais tensa. Temendo qualquer tipo de repressão e percebendo que a polícia pretendia isolar o povo num determinado local do aeroporto, o padre Reginaldo Veloso procurou o arcebispo e aconselhou-o a ficar próximo dos manifestantes:

– Não deixe a polícia separar o povo do senhor!

O delegado escutou a conversa e mandou prender o sacerdote. Nesse momento Dom Helder reagiu firme:

– Ele é meu padre. Se o senhor vai prendê-lo, vai prender também a mim e a Dom José Lamartine.

Sentindo firmeza no arcebispo, o delegado desfez a ordem. Ninguém foi preso. Dom Lamartine seguiu com os padres expulsos até uma sala especial, de onde embarcaram para os Estados Unidos. Dom Helder permaneceu nos corredores do aeroporto, junto ao povo, que cantava e agitava as mãos em gestos de despedida.

Naquele dia de Natal de 1968, um povo simples e humilde, ao lado do seu arcebispo, venceu a força da repressão. Jesus renascia na luta contra todas as formas de violência e exclusão. 

    FILHO, Félix. Além das Ideias: histórias de vida de Dom Helder Camara. 1ª reimpressão. Recife. Cepe. 2016. p. 64-65

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