Causos do Dom: A placa indesejável
Prof. Martinho Condini
A casa nos fundos da Igreja das Fronteiras, no bairro da Boa Vista, no Recife, chama a atenção por um pequeno portão, pintado de verde, que serve de entrada. Ali, num quarto e sala, nada mais do que um prolongamento da sacristia, residiu o arcebispo de Olinda e Recife. Nessa pequena casa passaram pessoas de todos os lugares do Brasil e do mundo. Personalidades famosas, artistas, políticos, príncipes e plebeus. E, claro, muitos pobres, seus visitantes preferidos. Todos recebidos com um enorme sorriso e uma palavra amiga.
A ideia de morar fora do Palácio dos Manguinhos – como é conhecida residência oficial do arcebispo no Recife – era antiga. Logo ao chegar ao Recife, em carta escrita aos colaboradores que havia deixado no Rio de Janeiro, Dom Helder anuncia o que pretendia fazer e pede para ajuda-lo “ a se livrar, o mais rápido possível, da maneira mais eficaz e mais simples possível do título de excelência e do brasão da nobreza”. Queria guardar somente a divisa in manus tuas, seu lema episcopal.
Entre os desejos do arcebispo estava o de trocar, o mais rápido possível também, seu carro espiscopal, um Aero-Willys, por “um carrinho do tamanho do bispinho”. Ele desejava um carro “que não escandalize meu pobre e querido povo”. E aproveitar essa troca para se livrar da “famosa placa” (na verdade, era uma placa preta, oficial, de bronze, com a inscrição “Arcebispo de Olinda e Recife”, como as autoridades do judiciário brasileiro ainda gostam de exibir). Conseguiu se livrar do carro e da placa oficial e, até o final de sua vida, nunca mais possui um automóvel.
FILHO, Félix. Além das Ideias: histórias de vida de Dom Helder Camara. 1ª reimpressão. Recife. Cepe. 2016. p. 58