Palavras do Dom: Coração não é de aço
Segunda-feira, 10.11.1980
Meus queridos amigos
Um dia vi e ouvi um senhor gabar-se de suportar qualquer dor, por mais terrível que fosse, sem uma lágrima, sem um grito, sem um gemido. Longe de encher-me de admiração por ele, fiquei pedindo a Deus pelo meu pobre irmão.
Não gosto de criaturas humanas feitas de cimento armado, ou de ferro, ou de aço, se é que existem… Gosto de criaturas humanas, humanas… Capazes de sorrir, de dar boas gargalhadas, de dar gritos de alegria, e também de comover-se, de encher os olhos de lágrimas e, por que não, de chorar.
Não sou dos que acham vergonha chorar. Claro que não gosto de choro fingido. Mas se o próprio Cristo chorou, participando da tristeza das irmãs de Lázaro, gosto de quem se alegra com os alegres e se entristece com os tristes.
Gosto de quem, em pleno século das viagens espaciais e do com- putador eletrônico, continua capaz de fineza. No ônibus cheio, como continuar sentado se uma pessoa idosa ou doente está em pé, sem lugar? Gosto de quem olha, com respeito, uma senhora grávida, e a cerca de atenções. É o mistério da vida que surge diante de nós. É o Gênesis que continua. Deus criou uma alma para a semente de vida que os pais plantaram.
Gosto do cuidado que estão tendo nas igrejas, sobretudo nas co- locadas no alto de enormes escadarias, de prepararem rampas que facilitem a subida de cadeiras de rodas que tragam hemiplégicos, desejosos de participar das cerimônias sagradas.
Gosto de quem esquece um instante a própria pressa para ajudar um ceguinho a atravessar uma rua movimentada. Gosto de quem descobre tempo — por mais ocupações que tenha — para contem- plar uma árvore, saudar o sol que se põe, contemplar as estrelas.
Gosto de quem ao dar uma ajuda ao pobre, descobre meios e mo- dos de ouvi-lo um instante, sabendo que a ajuda dobra de valor com a fineza de escutar, um instante, a quem quase nunca tem pela frente quem disponha de 5 minutos, 3 minutos, 1 minuto para ouvi-lo.
Gosto de quem se alegra sentindo que, dia a dia, aumenta sua capacidade de compreensão. Compreender! Que verbo importante e lindo! Como seria diferente e agradável o mundo se de verdade pudéssemos dizer:
Eu compreendo Tu compreendes
Ele compreende (Ele e Ela) Nós compreendemos
Vós compreendeis
Eles compreendem (Eles e Elas)
Pai, que as criaturas humanas sejam humanas! Nada de mão férrea, de coração de aço, de olhos incapazes de chorar e lábios incapazes de sorrir. Criaturas humanas, humanas!