Atualidades – Centenário do Pe. JOSÉ COMBLIN

Atualidades – Centenário do Pe. JOSÉ COMBLIN

Na próxima quarta-feira, 22 de março, celebraremos o centenário de nascimento do Pe. José Comblin, que nasceu na Bélgica e fez do Brasil o seu local de morada, adquirindo uma alma latino-americana, talvez mais intensamente do que alguns nativos das américas.

Despojado, livre, fraterno e comprometido com o evangelho e os ensinamentos de Jesus Cristo,  tinha espírito ecumênico e crítico.

Comprometeu-se com o projeto igreja “Povo de Deus”. E sonhou com uma igreja não pensada em “pirâmide”, mas uma igreja “círculo”. Uma igreja menos clerical, mais de base, do povo; menos romana, mais comunidade; menos igreja do passado, mais igreja do futuro; uma igreja guiada mais pelo Espírito Santo, e menos pelo direito canônico; uma igreja missionária, que vai a periferia e até a China. Uma igreja que deixa de ser acomodada. Uma igreja samaritana, que cuida dos caídos da beira de estrada. Uma igreja mais fraterna. Uma igreja solidária com as lutas do povo sofrido.

Andando pelo nordeste descobriu o Padre Ibiapina.

Estudou a sua vida. E colocou-o como modelo para o clero. Pe. Ibiapina: Apostolo do Nordeste, Peregrino da Caridade, Andarilho, Missionário. Assim como Pe. Ibiapina, o Pe. Comblin deixou o conforto da cidade grande para ser farol para o povo humilde e religioso do interior nordestino.

Quando completou 75 anos numa entrevista Pe. José disse: “Queria ser enterrado no cemitério de Pe. Ibiapina em Santa Fé que é uma terra bendita e santificada, com a esperança de ressuscitar um dia na companhia de Pe. Ibiapina.”

Pe. José escreveu muito: 70 livros e 415 artigos traduzidos em diversos idiomas. Deu inúmeras palestras. Assumiu cursos para lideranças religiosas do meio rural; para doutores em teologia das faculdades, para religiosas inseridas e bispos em assembleia. Ajudou a igreja do Brasil e da América Latina com suas reflexões, e com sua leitura da conjuntura, situando a igreja no mundo sócio-económico-político.

Nos obrigava a pensar, incomodava os acomodados. Suas ideias, a partir da fé e do evangelho de N. Sr. Jesus Cristo, mexeram com as estruturas da igreja institucional e com o autoritarismo da sociedade injusta.

Logo depois da sua morte publicaram na internet centenas de mensagens em várias línguas, lembrando as mil e uma faces de Pe. José Comblin. Os títulos dos artigos de jornais, revistas blogs e sites formam uma bela ladainha: Renomado teólogo, Expoente da Teologia da Libertação, Pastor dos pequeninos do Pai, Assessor de Dom Helder, Profeta da Esperança, Doutor Honoris Causa, Uma história é indelével, Profeta da Liberdade, Guiado pelo Espírito…

BREVE HISTÓRIA

RAÍZES e VOCAÇÃO

Pe. José Comblin nasceu em Bruxelas na Bélgica em 22 de março de 1923, em  uma família católica que conservava na grande cidade os valores, os costumes do mundo rural.

Foi ordenado padre no dia 9 de fevereiro de 1947.

O papa Pio XII estava angustiado pelo futuro da Igreja na América Latina. Para ele o número reduzido de padres era um problema terrível. Estava com medo do avanço do comunismo, da invasão do protestantismo e do espiritismo. E o papa Pio XII pediu a todos os bispos com muitos padres ceder alguns deles para as dioceses carentes de padres. Na diocese de Malinas tinham 3.000 padres diocesanos, além de 2.000 padres religiosos.

Padre José ofereceu-se e foi aceito. Foi preparar-se no Colégio Para América Latina em Louvain. Aprendeu Português, estudou a história, a cultura, a geografia etc. do Brasil.

Foi encaminhado para Campinas-SP, onde o bispo desejava sacerdotes doutores para contribuir na formação de seu clero. Chegou no Brasil no dia 29 de junho de 1958.

Ficou três anos e meio em Campinas. Deu aula num colégio de religiosas e foi capelão delas. Foi professor no seminário diocesano e na Universidade Católica de Campinas. E tornou-se assessor diocesano da JOC. Deu aula também no Theologicum dos Dominicanos em São Paulo.

Destes primeiros anos no Brasil  ele fez  amizade com Maria Emília, Frei Beto, Frei Tito, Ivone Gebara.

De  1962 a 1963 esteve no Chile, onde foi professor na Universidade Católica. Forneceu vários documentos aos bispos chilenos que iam participar do Concilio em Roma. Preparou para a igreja chilena um documento sobre a reforma agrária, e apresentou ao comitê central do partido comunista as teses da doutrina social da igreja.

Em 1965 foi de férias para o Brasil e foi convidado por Pe. Marcelo Carvalheira para integrar a equipe do Seminário Regional do Nordeste. Foi  nomeado diretor do Instituto de Teologia do Recife (ITER), sendo um dos assessores de Dom Helder, o porta-voz dos sem voz. A pedido do próprio Dom Helder, preparou preciosos subsídios para a Conferência Episcopal Latino-Americano em Medellín, na Colômbia.

Morou em Olinda com um grupo seleto: Pe. Marcelo Cavalheiro, Pe. René Guerre, Pe. Ernanne Pinheiro, Pe. Zildo Rocha, Pe. Eduardo Hoornaert e Pe. Alfredo da pastoral dos pescadores. Naquele tempo Pe. José escreveu muito. Estava nascendo a Teologia da Libertação, que deu a igreja um rosto profético e que parte da premissa de que o Evangelho exige a opção preferencial pelos pobres.

Nove seminaristas, com a licença dos seus bispos, resolveram fazer sua formação fora daquela estrutura faraônica. Foram morar na zona rural no meio do povo, em Tacaimbó-PE e em Salgado de São Felix-PB. Pe. José elaborou para eles um modo de estudar, que ficou conhecido como “Teologia da Enxada”.

Os seminaristas dividiam o tempo entre a oração, o trabalho, o estudo e a escuta do povo. A matéria para o estudo partiu sempre da vida concreta, não dos livros ou doutrinas. Neste sentido Pe. José figura como grande pedagogo ao lado de Paulo Freire. Tem a ver também com o método: “ver” “julgar” “agir”, da Ação Católica de outro belga, Pe. J. Cardijn. Olhar o mundo e a vida, descobrir os sinais de fé, amor e esperança e as desgraças; refletir, aprofundar e confrontar tudo isso com a doutrina católica e finalmente agir.

A organização TFP (tradição, família e propriedade) não perdeu oportunidade para atacar Dom Helder. Mandaram 1500 jovens para rua perguntando “Você é contra os comunistas? Então assina aqui.” Receberam um dólar por assinatura. Recolheram 2 milhões de assinaturas contra o clero comunista. Mandaram toneladas de papel para Roma. Nenhuma repartição do Vaticano quis receber essas assinaturas.

Pe. José foi colocado na lista dos “non grata” da direita reacionária e dos agentes da ditadura militar.  O Serviço Nacional de Informação (SNI) interceptou o rascunho do “Documento Básico para a Segunda Conferência Geral do CELAM” e uma carta que Pe. José mandou para Dom Fragoso, bispo de Crateús-CE. Nestes escritos fala-se em formação de CEB´s. Os militares interpretaram que comunidade “de base” era comunista. Foi o suficiente para ele ser deportado de volta para Bélgica em 24 de março de 1972.

Em 1976 sucedeu aí um acontecimento que entrou na história. Pe. José foi convidado para fazer uma exposição para bispos, padres e alguns leigos, sobre a Doutrina da Segurança Nacional. De repente grande número de soldados armados invadiram o salão. Muitos gritos. Empurravam todos os participantes, umas 70 pessoas, para dentro do ônibus. Quatro horas de viagem. Foram levados para o quartel militar na capital Quito, sem explicação alguma.

Eram 17 bispos entre eles, norte-americanos, chilenos, mexicanos, brasileiros, equatorianos, um venezuelano, argentino e paraguaio. Os generais resolveram “expulsar” os bispos do país. Ante a opinião pública mundial foi uma coisa ridícula.  Depois ficou claro que tudo isso aconteceu com o apoio do nuncio apostólico! Os bispos chilenos quando chegaram no aeroporto de Santiago foram recebidos com faixas e gritaria: Morte aos bispos comunistas. Tudo isso foi montado pela tropa de Pinochet.

Durante o tempo que Pe. J. Comblin permaneceu no Chile fundou o Seminário Rural, em Talca (1979), que foi uma experiência de formação ao sacerdócio de jovens do meio rural respeitando a sua cultura camponesa, evitando o “aburguesamento”.

Deu uma grande colaboração ao curso de formação para professores de religião e lideranças populares.

Este trabalho deu origem posteriormente ao “Breve Curso de Teologia” em 4 tomes.

Em 1980 ocorreu a sua expulsão do Chile. Depois de um ano admitiram sua presença de novo. Em 1982 foi expulso definitivamente. Dom Carlos perguntou a Pinochet qual era a razão, o general respondeu: “Esse homem é inteligente demais, não preciso dele no Chile.” Até 1990 não podia voltar ao Chile.

Em 1981 conseguiu retornar ao Brasil, e foi acolhido pelo Dom José Maria Pires na Arquidiocese da Paraíba. Entrou com visto de turista e em 1986 foi anistiado e recebeu novamente o visto permanente.

Com o grupo da Teologia da Enxada e o apoio do Arcebispo, fundou, em 1981 no engenho Avarzeado, Pilões-PB, o Seminário Rural, o qual, com a criação da diocese de Guarabira, foi transferido para Serra Redonda-PB. A proposta não foi acolhida por Roma. Aceitaram a decisão com dor no coração. O seminário foi transformado em Centro de Formação Missionária para leigos. A versão feminina foi aberta em Mogeiro-PB. Pe. José morou vários anos em Serra Redonda.

Daí nasceram várias experiências fecundas, tais como a da criação da Associação dos Missionários e Missionárias do Campo, bem como a Fraternidade do Discípulo Amado, no sítio Catita, Colônia Leopoldina-AL, uma experiência para jovens com vocação contemplativa. Além destas, cumpre mencionar o curso da Árvore, no sítio São José, Bayeux-PB, onde Comblin passou a residir desde 1995, com formação para Animadores de CEBs. E o movimento dos peregrinos e peregrinas do Nordeste, e a Associação dos Missionários e Missionárias do Nordeste (AMINE). As escolas de formação missionaria merecem um destaque, existem em Juazeiro-BA, em Santa Fé-PB, foi transferida para Mogeiro-PB, em Floresta-PE, Esperantina-PI, Barra-BA, São Félix do Araguaia-MT. Miracema-TO

Outras experiências como a do grupo Kairós, Nós Também Somos Igreja, como o grupo de Café do Vento, Sobrado-PB.

E Pe. J. Comblin continuou dando assessoria teológica para os mais diversos grupos eclesiais ou sociais no Nordeste e lá fora.

Por onde passou, criou laços de amizade com muitas pessoas comprometidas com a causa dos pobres.

Pe. José fez sua Páscoa com 88 anos, no dia 27 de março de 2011 quando se encontrava no Recanto da Transfiguração em Simões Filho-BA perto de Salvador, para um compromisso missionário.

A missa de exéquias de corpo presente, foi celebrada em Santa Fé do Ibiapina, no mesmo canto onde celebrou seus 80 anos, comemorados com centenas de pessoas vindas de vários partes do Brasil, mas também de outros países. Dezenas de homenagens foram publicados no livro “A Esperança dos Pobres vive”

A celebração do “Adeus” não foi diferente. Centenas de pessoas de grupos, de associações, de movimentos eclesiais e populares, vários bispos, muitos padres e religiosas estavam presentes. Numerosas mensagens de pesar, de saudades, de gratidão foram publicadas nos meios de comunicação.

Seu corpo foi confiado a terra santa e abençoada de Santa Fé ao lado de Padre Ibiapina. Dois servos de Deus, dois missionários, dois mestres, dois amigos do povo, um ao lado do outro. Louvado seja!

Fontes: Pe. J. Floren,  Mônica Muggler, Eduardo Hoornaert, Alder Júlio

Resp. Pe. José Floren, Solânea-PB –  Zapp +55 83 99997 1304

Visite o Memorial em Santa Fé do Ibiapina

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