Causos do Dom: A benção do Futuro Papa
Prof. Martinho Condini
Para tentar conseguir apoio para a sua ideia de criação das Conferências Episcopais, um sonho que se transformaria depois na CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, o ainda padre Helder viajou para Roma, em dezembro de 1950, por sugestão do núncio apostólico Carlos Chiarlo. Tinha encontro marcado com monsenhor Giovanni Montini, subsecretário de Estado do Vaticano.
[…] Com dores no ouvido, antes passara no hospital, foi recebido pelo secretário de Estado do Vaticano. Defendeu a criação da Conferência Episcopal alegando que, no Brasil, existia a possibilidade de se criar um modelo quase ideal de relacionamento entre Igreja e Estado. Muito diplomaticamente, monsenhor Montini quis saber dos reais motivos que teriam levado um simples padre a tentar articular a criação de uma assembleia de bispos.
– Monsenhor Camara, trata-se de uma conferência de bispos. O senhor seria o homem certo para administrá-la, mas ainda não é bispo? Onde o senhor espera chegar?
Percebeu logo aonde o secretário queria chegar.
– Eu tive um sonho – disse – em que alguém me dizia que eu seria um jumentinho, como o da entrada de Jerusalém, enfrentando agora muitos caminhos pelo mundo afora, mas apenas carregando o Senhor da Igreja, através de seus representantes maiores, para a realização de sua obra. Sou um humilde sacerdote e assim quero continuar sendo até que Deus o queira.
Em seguida, astuto, fez uma comparação com a situação do próprio Montini.
– Perdoe-me, Monsenhor, mas o senhor é o único que não tem o direito manifestar essa desconfiança, essa dúvida. Porque o senhor tem o título de excelência, mas não é bispo. No entanto, Nosso Senhor se serve do seu trabalho na Secretaria de Estado, a serviço do Santo Padre, para ser o elo de ligação entre todos os bispos do mundo. Por que os bispos do Brasil não podem também se servir de um outro não bispo para ser o elo apenas entre os bispos de um país?
Montini sorriu. Estava ali um verdadeiro homem de Deus. Helder havia vencido a primeira etapa. Desse primeiro encontro nasceria uma grande amizade entre os dois.
A CNBB foi instalada no dia 14 de outubro de 1952, sendo o seu primeiro secretário-geral Helder Camara, sagrado bispo auxiliar do Rio de Janeiro em abril do mesmo ano. Já como bispo, retorna ao Vaticano para prestar conta da nova entidade ao monsenhor Montini. Ao despedir-se Dom Helder foi surpreendido com um pedido do secretário do Papa Pio XII. Montini apressou o passo, colocou-se à sua frente diante da porta de saída do gabinete, ajoelhou-se e lhe disse.
– Agora tenha a humildade de me dar sua primeira bênção como bispo?
– Está bem – disse-lhe – eu terei essa humildade. Mas de tal maneira já o vejo vestido de branco, que lhe peço que depois me dê a sua primeira bênção de Papa.
Montini ficou um pouco espantado, sejm jeito mesmo. Mas concordou, com uma ressalva.
– Darei a bênção, mas não a de Papa!
– Está bem. Mas eu vejo um solidéu branco na sua cabeça.
Os dois se abençoaram e rezaram um Pai-Nosso.
Foi a primeira bênção do futuro Papa Paulo VI!
FILHO, Félix. Além das Ideias: histórias de vida de Dom Helder Camara. 1ª reimpressão. Recife. Cepe. 2016. p. 28-29