Palavras do Dom: 65º Carta Circular – Ação, Justiça e Paz
Abertura da AJP
para o plano mundial
Recife, 27/28.6.1970 65ª Circular
Vigília da 6ª Dominga depois de Pentecostes
Anexo à 65ª Circular
Carta Aberta aos Exércitos da América Latina
Quem vos escreve
O ideal seria que fosseis capazes de ler esta Carta e de julgá-la, objeti- vamente, pela mensagem que ela encerra, pelas ideias que ela contém, sem que o nome de quem a escreve perturbasse a serenidade de vosso julga- mento.
Para que, no entanto, não tenhais a impressão de ler um documento anônimo, permiti que me apresente: sou †Helder Camara, Arcebispo de Olinda e Recife (Brasil). Mas, eu vos escrevo como uma criatura humana, preocupada: com a situação do Mundo; com o papel que a América Latina deve desempenhar, no momento atual, para ajudar a paz entre os homens; com o papel que cabe aos Exércitos da América Latina, na hora decisiva que estamos vivendo.
(…)
- Coragem para livrar-nos do Colonialismo interno
Outra ajuda decisiva que nos pode e deve vir dos Exércitos latino-ame- ricanos é o indispensável apoio para que – sem sangue, sem violência, dentro rigorosamente da justiça – se ponha fim ao Colonialismo interno: pequenos grupos de Famílias privilegiadas cuja riqueza é mantida sobre a miséria de milhões de concidadãos. Vamos partir para a batalha pacífica de abolir no Continente, a miséria, a escravidão, as condições [fl. 5] sub-humanas. Vamos, afinal, enfrentar, sem excessos, mas sem medo, as mu- danças das estruturas econômico-sociais e político-culturais que impedem que nos arranquemos do subdesenvolvimento e da miséria.
- A Igreja terá um serviço a prestar
Preocupada em manter a ordem social, a Igreja não percebeu que não se tratava de ordem, mas de desordem. Não descobriu que aí então, diante dos nossos olhos, injustiças estratificadas, clamando por mudança. Esta é a violência nº 1, violência institucionalizada, mãe de todas as demais violên- cias, que estão rebentando no Continente. Ao invés de responder à violên- cia dos oprimidos – ou da juventude, em nome deles – com violência e até com torturas, os Governos latino-americanos devem ter a coragem de ir à raiz do mal, empreendendo, sem mais demora, a mudança das estruturas desumanas que escravizam milhões de filhos de Deus.
A Igreja, inclusive para reparar pecados de omissão e preocupada em obter justiça como caminho para a paz, pode e deve pôr toda sua força moral para apoiar a mudança, de modo a que ela se realize na medida exa- ta, sem excessos, mas sem falhas. A Igreja, sem nenhuma preocupação de liderança, apenas como quem tem obrigação de servir, pode e deve ajudar, de cheio, no trabalho da promoção Humana das Massas marginalizadas, na orientação social dos trabalhadores e dos jovens, e na tentativa de conscien- tização das atuais elites.
Presença na medida exata
Os Militares cumprirão uma missão histórica se derem garantia para a integração econômica do Continente e para a superação do Colonialismo interno, sem esquecer que o Governo, sem demora, deve passar aos Civis. Cuidado com o preconceito de achar que competência e honestidade são monopólio dos Militares. Cuidado com a obsessão anti-comunista que leva a decapitar lideranças estudantis, trabalhadores e políticas, sob pretexto de evitar infiltração de agitadores profissionais.
Que terminem, quanto antes, os regimes de exceção. Quem confia, de fato, na democracia, tem que correr o risco da liberdade.
- Esta Carta Circular pode ser encontrada no Volume V, Tomo I, das Cartas Circulares Ação, Justiça e Paz, à venda no IDHeC – Instituto Dom Helder Camara, Clique Aqui.