O Adeus à Sonhadora
O que dizer de uma mulher que, em 2008, ao final de uma celebração Eucarística em homenagem da Unicap a ela e à atriz Geninha da Rosa Borges, presidida pelo Padre Kiko Secchim, falou: “Tenho 88 anos, mas nem percebo. Ainda tenho muitos sonhos”.
O que nos resta dizer sobre essa gaúcha que, muito jovem veio morar em Recife e aqui escolheu para morar, dedicando a vida à arte e à promoção da dignidade dos esquecidos do mundo?
Integrante da congregação das irmãs Doroteias, a Madre Escobar , como era conhecida, dedicou sua vida a ajudar aos mais carentes, usando a arte como meio de promoção da cidadania e da dignidade, daqueles que eram excluídos da sociedade.
Seu modo de pensar e agir só teria um caminho aqui em Recife: ser uma grande parceira do então arcebispo Dom Helder Camara. Durante todo o arcebispado de Dom Helder, foi sua assessora de comunicação. Coordenadora do Cecosne, dentro da área religiosa, fazia toda a articulação de comunicação em todo o Nordeste.
Em 2003 participou da pequena comissão que criou o primeiro Calendário Dom Helder Camara.
Formada em Ciências da Educação e mestre em Comunicação, ambos fora do Brasil, fundou o Centro Educativo de Comunicação Social do Nordeste, o Cecosne e é criadora da ONG Arraial Intercultural de Circo do Recife, o famoso Arricirco.
O Arricirco, fundado por ela e Dom Helder , promovia oficinas circenses e formava trupes profissionais, bastante atuantes, não só em espetáculos, mas formava também educadores sociais conscientes dos seus papéis de agentes transformadores.
À frente do Cecosne foi responsável pela formação de dezenas de artistas e Bonequeiros no brasil e principalmente no Nordeste.
Em 1997 Madre Escobar escreveu o livro O Circo dos Anjos, dirigido ao público juvenil. É um misto de reflexões pessoais, a partir de citações bíblicas e das diversas profissões que envolvem o artista circense. O livro conta a história do Projeto ‘Arricirco’ que trabalha a pedagogia do circo com crianças e adolescentes.
Ao longo de sua vida fez muitos amigos e parceiros, que tinham o orgulho de fazer parte de sua vida. Colocamos abaixo alguns depoimentos de pessoas que conviveram e trabalharam com ela.
Augusto César Barreto Oliveira, conhecido como Augusto Bonequeiro, escreveu certa vez em blog : “meu agradecimento especial ao Cecosne (centro educativo de comunicação social do nordeste) e em particular a Armia Escobar Duarte (Madre Escobar), pessoa responsável pela formação de dezenas de artistas e bonequeiros no Brasil e principalmente no Nordeste. Devo à fundação Cecosne e à Madre Escobar a minha iniciação profissional, como artista e bonequeiro.”
Um outro Augusto, Fernando Augusto Goncalves Santos, criador do Teatroneco, sempre fez questão de registrar com ênfase o carinho, a admiração e o reconhecimento da importância de Madre Escobar na trajetória de sua vida artística.
Para Isabel Alencar Arraes, professora da UFPE, que pesquisou a vida de Madre Escobar, para escrever um livro biográfico, disse, em meio à sua pesquisa, ã três anos: “Estou pesquisando pra escrever um livro biográfico sobre Madre Armia Escobar Duarte, importante liderança religiosa, de orientação progressista, Fundadora do CECOSNE e responsável por projetos sociais de grande impacto. Ela está prestes a completar 100 anos e o livro, além de homenageá-la, busca resgatar e dar visibilidade à sua trajetória.”.
Aos 103 anos, no último dia 5 de janeiro, partiu Armia Escobar, deixando um legado de arte, alegria, cidadania, promoção de vida digna e, acima de tudo, do direito de sonhar e ir em busca dos seus sonhos.
Ao saber de sua partida, o monge Marcelo Barros escreveu:
“Queridas irmãs e irmãos,
Ontem à noite (05.01)), Deus chamou para a plenitude do seu reino a nossa querida irmã Madre Escobar (Ármia Escobar Duarte), religiosa da Congregação das Doroteias que era gaúcha, mas veio ainda jovem para o Recife e durante todo tempo do arcebispado de Dom Helder, o acompanhou e ajudou como sua assessora de comunicação. Eu e vários/as de nós tivemos a graça de conviver e trabalhar com ela no Centro de Comunicações Sociais do Nordeste (CECOSNE) que ela fundou e, durante muito tempo, dirigiu.
Agora, foi brincar com seus mamulengos e bonecos diante de Deus no céu.
Deus seja bendito por sua vida doada e por sua brilhante inteligência, colocada sempre a serviço da Amorosidade e da Comunicação da Paz.
Que, do céu, interceda por nós.”
Ao ler esse escrito, duas pessoas responderam:
A escritora e educadora popular Moema Viezzer, que hoje mora em Toledo, no Paraná, escreveu: “Gratidao pela partilha, Marcelo. Conheci a Madre Escobar nos anos 70. Estou muito distante mas, de coração, acompanho esta despedida.”
Teresa Braga, também em resposta ao que escreveu o monge Marcelo Barros, escreveu: “Marcelo, daqui, de Alto Paraíso, onde estou hospedada na Aldeia CEBB de Alto Paraíso, num retiro aberto, recebo essa notícia da Páscoa de nossa estimada Madre Escobar, com quem tive a alegria de partilhar conhecimento e sentimentos tão felizes, durante um tempo de meu trabalho na Sudene, e depois, junto ao nosso Dom. Ela criou o circo para as crianças e jovens das periferias e fez trabalho maravilhoso na Várzea, inclusive, vindo artistas de fora vê- lá. O programa da Prefeitura ” Janeiro de grandes espetáculos”, se não me engano, também teve seus artistas se apresentando. Será sempre lembrada e eternizada por todos que amam os pobres e os sente como iguais.”
Teresa Duere, amiga de Dom Helder e grande colaborada nos trabalhos de seu arcebispado, emocionada disse: “lembro das viagens que fazíamos de carro, fazendo visitas, inclusive aos engenhos. Foi a grande articuladora de Dom Helder, através da comunicação, na área religiosa. Foi uma pessoa muito importante para o Dom”.
Nosso adeus à essa sonhadora, que nunca desistiu de sonhar e de ajudar outras pessoas a realizarem seus sonhos, a imaginar um futuro e ir em busca dela.
O IDHeC deixa aqui a sua homenagem e o seu agradecimento por tudo que ela fez por Dom Helder, pelos jovens, por todos nós.