Causos do Dom: Brincando com Deus

Causos do Dom: Brincando com Deus

Prof. Martinho Condini

A partir daquele momento, (maio de 1967), quase cada semana, nos encontrávamos sempre nas quartas-feiras às oito horas da manhã.  Quando passou a morar na casinha que adaptou da antiga sacristia da Igreja das Fronteiras (1968), ele mesmo me recebia no portão e me levava à salinha onde trabalhava. Ali, sentados naquela mesa redonda, verificávamos os assuntos a pôr em ordem. Nas primeiras vezes, me incomodou o fato de que, a cada instante, alguém batia no portão. Ele interrompia a conversa, ia atender e sempre se demorava cinco ou mais minutos. Era difícil fazer a reunião porque, às nove, ele saía para atender na Cúria e, durante o tempo do encontro, ele era sempre interrompido. Um dia, tomei coragem e propus: 

– Dom, peça a alguém que, ao menos enquanto o senhor está em reunião, atenda o portão. 

  Ele pareceu concordar. Achei que, da próxima vez que eu viesse, o assunto estivesse solucionado. Na semana seguinte, me confidenciou:

– Pensei seriamente em pedir a alguém que me ajudasse atendendo a porta. Mas, de repente, me baixou um receio: “E se quem estiver batendo for um pobre?” Como posso perder o privilégio de recebê-lo pessoalmente?

Nunca mais lhe fiz outra proposta semelhante. Compreendi como sua opção pela acolhida era profunda e concretizava-se prioritariamente na comunhão com os mais pobres. Mais tarde, ele se abriria a um amigo:

“Às vezes, durante o dia, tenho de atender a 40, 60, 80 e até 100 pessoas. E o que mais me dói é que são casos a que você, muitas vezes, não tem condição de atender. Quando você pode atender, é tão bom. Mas, são poucos… no entanto, cada vez que levo uma pessoa até à porta e volto com outra, quero atender a essa nova pessoa com a mesma atenção, quero ouvi-la, mesmo que já esteja cansado, quero tratar a cada um como se não tivesse mais nada a fazer, como se tudo fosse apenas aquela criatura. Então, enquanto vou trazendo aquela pessoa, eu brinco com o Cristo. Vou dizendo: ‘Cristo, não te apagues tanto dentro de mim! Vê pelos meus olhos, escuta pelos meus ouvidos! Toda a atenção, Cristo! Olha pelos meus olhos, escuta bem o que essa pessoa vai dizer e, se possível, fala pelos meus lábios! ’ Então, o que é que acontece? Eu brinco com o Cristo. No fim do dia, quem está cansado é Ele”. 

MARCOS DE CASTRO, Dom Hélder, o Bispo da Esperança, Rio de Janeiro, Ed. Graal, 1978, p. 76- 77.?

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