Causos do Dom: O Bispo das Favelas
Prof. Martinho Condni
Em 1955, foi realizado no Rio de Janeiro o 36º Congresso Eucarístico Internacional, com a participação de mais de um milhão de pessoas no aterro da Glória. A frente desse grande evento estava Dom Helder como o seu principal organizador. Na ocasião o cardeal da cidade de Lyon, Gerlieu fez questão de procurar Dom Helder antes de voltar para a França. Esse encontro mexeu com os sentimentos de Dom Helder, ao ouvir os comentários do cardeal sobre a sua atuação na organização do congresso e sobre os problemas das favelas na cidade do Rio de Janeiro:
– Conversar com você era uma exigência fundamental para mim, porque, em consciência, devo dizer-lhe alguma coisa antes de partir. Tenho uma certa experiência em organizar coisas. Por isso posso dizer-lhe que este congresso, da maneira como as coisas passaram, só foi um sucesso porque havia por trás de tudo uma cabeça de organizador. E eis a razão pela qual esse encontro se tornou uma exigência para mim. Permita-me que eu lhe fale como um irmão, um irmão através do batismo, um irmão através do sacerdócio, um irmão no episcopado, um irmão em Cristo: por que meu irmão Helder, você não põe todo esse talento de organizador que Deus lhe deu a serviço dos pobres? Você sabe que o Rio de Janeiro é uma das cidades mais bela do mundo. Mas é ao mesmo tempo uma das mais pavorosas, porque todas essas favelas, como vocês chamam, são um insulto ao Criador neste quadro de beleza…
Dom Helder beijou as mãos do arcebispo de Lyon:
– Este momento é uma virada em minha vida. O senhor verá que eu me consagrarei aos pobres. Não estou convencido de minha capacidade excepcional de organizador de que o senhor fala, mas garanto que todos os dons que o Pai me confiou eu os porei a serviço dos pobres.
E realmente isso ocorreu, o trabalho junto aos favelados iniciou-se imediatamente ao término do Congresso, em consequência do diálogo com o cardeal Gerlieu. Dom Helder procurou o Cardeal Dom Jaime e disse:
– Vamos dar toda essa madeira aos que no Rio de Janeiro não têm onde morar, aos que não tem casa. E isso será só o início de um novo trabalho. A partir de agora, gostaria que o senhor permitisse que eu me consagrasse às favelas do Rio de Janeiro. Continuarei a lhe dar toda a colaboração que o senhor quiser de mim, mas permita que eu me dedique de modo todo especial aos que vivem nesses barracos miseráveis.
Naquele momento surge o “Bispo das Favelas”, apelido que recebeu da população das favelas. Em continuidade a esse trabalho ele cria na cidade do Rio de Janeiro a “Cruzada São Sebastião”, “A Feira da Providência” e o “Banco da Providência”, que existem até hoje.
Anos mais tarde o próprio Dom Helder não negava a importância daquele trabalho no Rio de Janeiro, mas na época faltava o espírito que viria a ser o aspecto denominador na obra de Dom Helder, principalmente a partir de Medellín: o de que a necessidade fundamental para que os problemas sejam resolvidos a partir da raiz é a mudança das estruturas.
CASTRO, Marcos de. Dom Helder: misticismo e santidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. p.119 a 122