Faz Escuro Mas Eu Canto: Adeus ao Profeta da Esperança

Faz Escuro Mas Eu Canto: Adeus ao Profeta da Esperança

A partida de poeta leva consigo suas inspirações futuras, suas novas misturas de palavras se calam, mas o que o poeta ou a poeta escreveu durante toda a sua vida, ficam registradas, nos livros, nas memórias, na internet.

O nosso grande poeta Thiago de Mello fez a sua páscoa definitiva, levando consigo os novos versos que escreveria, as novas esperanças que espalharia e a sua poesia profética. Mas, nos deixa um legado que será sempre um alerta e um estímulo para a caminhada, rumo a construção de um mundo melhor, sonhado por ele e sonhado por Dom Helder.

Quem sabe, até inspirado pelo poeta que anunciava a Madrugada Camponesa, Dom Helder falou que “quanto mais escura é a noite, mas carrega em si madrugada”.

Para prestarmos a nossa homenagem a Thiago de Mello, que, aos 95 anos fez a sua derradeira viagem, postamos, mais uma vez, esse texto belíssimo, onde o Dom faz, ele próprio, a sua homenagem ao colega poeta, em seu programa de rádio, na rádio Olinda, Um Olhar Sobre a Cidade.

Faz escuro, mas eu canto

Quinta-feira, 31.10.1974

Meus queridos amigos

Lua crescente, lua cheia, lua minguante… Como a luz nos lembra o que se passa conosco!

Não há quem não tenha seus dias de lua cheia! Tudo correndo bem, saúde boa, família em paz, todos se entendendo e se amando.

Se não há dinheiro sobrando, não há dinheiro faltando…

Também não há quem não tenha seus dias de lua minguante…

A saúde meio emperrada, incompreensões e aborrecimentos em casa, no trabalho, entre amigos, desilusões, cansaço de viver…

Mas volta a lua crescente. Volta, em teima providencial, a esperança.

Tudo continua, mais ou menos, na mesma. Talvez até pior.

Mas por dentro, há mais coragem, mais força!… E o que nos vale é que variam, de pessoa a pessoa, os dias de fossa, os dias de esperança, os dias de alegria plena…

Por que, então, não termos paciência uns com os outros, e não nos ajudarmos mutuamente? Mas, em geral, quem anda em lua minguante tem até raiva de quem anda em lua cheia. Parece que a felicidade de nosso irmão nos agride, nos insulta. Parece roubo.

Acontece, também, que quem anda em lua cheia, em geral, não tem olhos, nem tempo, nem paciência para ficar ouvindo lamúrias da lua minguante… Ai se conseguíssemos o ideal de manter, permanentemente, em nós, o espírito da lua crescente, o espírito da esperança…

Há quem, em plena fase de lua cheia, ande triste. Há pessoas que, em lugar de aproveitar a felicidade que tem nas mãos, tornam-se incapazes de aproveitá-la, porque ficam o tempo todo pensando que a felicidade é passageira, vai acabar, já está acabando…

Ah, se em plena lua cheia, quando a tentação do desânimo chegasse, respondêssemos sem vacilar: É verdade. Nem sempre será lua cheia. Virá a lua minguante, mas de minguante passará a crescente e, de novo, a lua cheia.

Quando nós, as criaturas humanas, nos convenceremos de que é ingratidão deixar que a esperança se apague dentro de nós!

Guardem o título de um livro de poemas, que vale como um programa de vida: Faz escuro, mas eu canto. Sim. No meio da maior escuridão, em pleno voo cego, sem enxergar um palmo diante dos olhos, mesmo aí, mesmo assim, filhos da Redenção, cidadãos da Eternidade, temos que manter viva a esperança.

Faz escuro, mas eu canto…

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