Causos do Dom: O Peso dos Argumentos

Causos do Dom: O Peso dos Argumentos

*Prof. Martinho Condini

Era lá por volta do ano de 1975, quando a Alemanha capitalista organizou um Fórum Alemão para o Desenvolvimento, reunindo representantes dos partidos políticos, das grandes empresas, das grandes religiões, da imprensa, das universidades e das entidades de jovens. E chamou Dom Helder como convidado de honra para fazer palestra de abertura da grande assembléia (queriam um representante do Terceiro Mundo nesse papel). O arcebispo de Olinda e Recife sustentou em sua fala a tese de que a injustiça da política internacional de comércio e todas as suas consequências é que fazem os países ricos cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres. Ele afirmou: “Os representantes dos países ricos sabem muito bem que não há qualquer problema de raça ou coisa assim nessa situação de pobreza sempre maior do outro. Sabem que tudo provém da injustiça do sistema comercial e de imposições que a ele vêm atreladas”. Quando Dom Helder terminou, o representante das universidades pediu a palavra para dirigir-se ao ministro do Desenvolvimento, perguntando o que ele achava da tese “do nosso convidado de honra”. O ministro foi muito hábil e respondeu:

– O presidente Nixon de antemão deu cobertura à tese de Dom Helder ao declarar, no encerramento do período conhecido como Primeira Década de Desenvolvimento, que “os países ricos saíam mais ricos e os pobres saíam mais pobres” ao fim daquele ano.

Deixando a palavra para o presidente americano, na citação que fez o ministro nem comprometeu a Alemanha capitalista oficialmente com a afirmação, nem cometeu a grosseria de contestar o convidado de honra, para quem foram os calorosos aplausos ao fim da resposta ministerial. Os aplausos se explicam: é que em geral, quando Dom Helder anda por esse mundo de Deus, uns bons dois terços dos auditórios costumam ser constituídos de jovens. E é comum os líderes jovens defenderem teses como essa que Dom Helder defendeu em seu discurso na abertura daquele solene fórum alemão. Teses que nem são de Dom Helder nada tem de original. O bom é que reúnem em torno delas um número sempre crescente de pessoas que defendem os mais fracos e mais pobres.

Quando o ministro terminou sua rápida resposta, levantou-se um representante das entidades de jovens e disse:- Ministro, parabéns pela sua corajosa resposta citando a frase do presidente Nixon. Mas precisamos descer a pormenores mais concretos. Felizmente temos aqui presentes representantes de três grandes multinacionais alemãs (e citou os presidentes do Banco da Alemanha – Deutschbank -, da Mercedez-Benz e da Volkswagen). Será da maior importância, não só para os participantes do Fórum, mas também para todo o auditório, que esses três representantes indiquem que dinheiro suas empresas aplicaram no Terceiro Mundo nos últimos quinze anos e que dinheiro de lá carrearam para as matrizes nesse mesmo período.

O presidente do Deutschbank levantou-se irritado e dirigiu-se ao ministro do Desenvolvimento com a seguinte ironia:

– Veja, ministro, o que dá trazer crianças para o meio dos adultos.

O auditório prorrompeu então numa vaia tão escandalosa que Dom Helder julgou, como disse, que estivesse “no Maracanã lotado com o juiz roubando o Flamengo”. Um espetáculo que jamais pensou existisse igual na Alemanha, num recinto fechado e com auditório de alto nível. Ficou tão sem graça que resolveu salvar as coisas para o lado do ministro, sustando a manifestação constrangedora. Levantando os braços, interrompeu-a, realmente, usando sua condição de convidado de honra. Mas aproveitou também para dizer algo mais:

– Que belo espetáculo de liberdade, senhor ministro! Que belo espetáculo! O senhor sabe, eu não me sinto estrangeiro em nenhum país do mundo. Estou em casa, na Alemanha. Estou em casa em qualquer país porque acredito que somos filhos do mesmo Pai, e por tanto somos todos irmãos. Então, permita-me lembrar aos meus queridos irmãos alemães que a própria Alemanha, apesar de ser um país tão culto, nem sempre teve a mesma liberdade. Há bem pouco tempo ela viveu uma das mais trágicas ditaduras da história. Ministro, enquanto depender do senhor salve a liberdade para o seu Fórum!

Voltou-se então para o presidente do Deutschbank, autor da infeliz ironia que provocara todo o tumulto, e continuou:

– Senhor presidente do Banco da Alemanha, permita-me dizer-lhe que não considero um problema essa questão de ser criança, ser jovem, ser adulto ou ser velho. O importante é o peso dos argumentos apresentados.

CASTRO, Marcos de. Dom Helder: misticismo e santidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002,p.210-211-212- 213.

*O Prof. Martinho Condini é historiador, mestre em Ciências da Religião e doutor em Educação. Pesquisador da vida e obra de Dom Helder Camara e Paulo Freire. Publicou pela Paulus Editora os livros ‘Dom Helder Camara um modelo de esperança’, ‘Helder Camara, um nordestino cidadão do mundo’, ‘Fundamentos para uma Educação Libertadora: Dom Helder Camara e Paulo Freire’ e o DVD ‘ Educar como Prática da Liberdade: Dom Helder Camara e Paulo Freire. Pela Pablo Editorial publicou o livro ‘Monsenhor Helder Camara um ejemplo de esperanza’. Contato profcondini@gmail.com  

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