Talento é algo que, geralmente, cada pessoa tem um. Uns pintam, outros bordam, outros desenham ou fazem esculturas. Outros são poetas, escritores, contadores de histórias. Outros são médicos, professores, motoristas, garçons, dançarinos ou cantores e centenas de outras profissões. E alguns são profetas.
Difícil é acreditar que algumas pessoas possam reunir vários talentos e além de excelente profissional da medicina, ser pintor, escultor, poeta, contador de histórias e até profeta.
Assim era Assuero Gomes. Um pediatra dos mais competentes, trazendo novas vidas ao mundo a cada dia, cuidando dessas pequenas vidas com carinho e comprometimento, suavizando seu despertar rumo a um mundo desconhecido.
Pródigo em fazer diagnósticos precisos, tinha a sensibilidade e o conhecimento necessário para detectar as doenças antes mesmo dos resultados dos exames.
E, nas horas vagas, era na arte que seus outros talentos se mostravam, pluralmente, indo das artes plásticas à literatura. Um médico com alma de poeta, um teólogo com alma de profeta. Misturava as tintas para pintar quadros, criar murais e esculturas, ricos em cores e história, como os trabalhos que eternizou nos muros do Sindicato dos Médicos de Pernambuco.
E como se não bastasse todo esse talento, ainda misturava as letras e escrevia artigos, uns com jeito de poesia, outros com jeito de profecia.
E continuava a misturar as letras e a produzir livros que marcaram a história da Arquidiocese de Olinda e Recife, como Partindo de Emaús e Réquiem para um bispo, onde o seu talento conseguiu escrever uma história que ia e vinha no tempo e fazia todo sentido. Seu último livro publicado em 2019, Minhas Memórias da Igreja de Olinda e Recife, registrou as suas impressões, finalizando o ciclo sobre a Arquidiocese.
No intervalo entre esses livros, escreveu O Profeta e a Serpente, o Farol de Solidão e À Sombra do Mosteiro.
Foi um dos fundadores do Jornal Igreja Nova, que se tornou o baluarte da resistência durante o episcopado posterior a Dom Helder, que veio a se transformar no Grupo de Leigo Católicos Igreja Nova, que escreveu com tintas de fé e esperança, uma parte da história de nossa Arquidiocese. De um pequeno panfletinho em preto e branco, o jornal cresceu em tamanho, ganhou cor e colaboradores de diversas partes do Brasil.
Sempre bem informado, causava rebuliço na Arquidiocese com as suas famosas Centelhas, publicadas no jornal Igreja Nova e que continham notícias muito quentes, porém de forma cifrada.
Com a internet dando seus primeiros passos, o jornal Igreja Nova ganhou um site, que, a partir de então, levava o Igreja Nova para o mundo.
Helderiano por convicção, idealizou uma forma de trazer de volta para o Recife o centro dos debates teológicos e, ao mesmo tempo, homenagear Dom Helder, que foram as Jornadas Teológicas Dom Helder Camara, cuja primeira edição aconteceu em 1998, com a presença do próprio Dom Helder na abertura.
Comprometido com o combate à miséria e à pobreza e fiel ao ideal de Dom Helder por um Brasil sem miséria, fundou com alguns amigos, em 2003, um restaurante popular, que vendia refeições ao preço simbólico de R$ 1,00: O Dom da Partilha.
Em 2013 fundou o grupo Encontro da Partilha que, antes da pandemia, se reunia, mensalmente, no terraço da igreja das Fronteiras e que tem o objetivo de refletir, à luz do evangelho e dos ensinamentos de Dom Helder, os fatos acontecidos no dia a dia.
Por muitos anos foi o responsável pelas celebrações dominicais, acompanhando Pe João Puben e depois Pe José Augusto, como um verdadeiro guardião da igrejinha do Dom.
Assim era Assuero, um sonhador que ia em busca de seus sonhos, um visionário com ideias inovadoras e revolucionárias. Um contador de histórias que não se conformou apenas em contá-las, mas também fez parte delas, na busca incessante pela libertação das injustiças e das opressões.
Levado por um vírus cruel, que além de ceifar vidas, impede que os familiares e amigos fiquem próximos, que se despeçam ao menos, com o derradeiro adeus, a Covid-19 arrebatou Assuero, de forma rápida, de nossa convivência.
Siga em paz amigo querido de todos nós. Molde as nuvens, conte suas histórias para os velhos amigos que encontrar agora e, de onde estiver, cuide da gente, como sempre cuidou, enquanto estava entre nós.