UM OLHAR SOBRE A CIDADE: DIREITOS HUMANOS

 Hoje, dia 10 de dezembro de 2020, para relembramos a promulgação da Declaração Universal de Direitos Humanos, em 10 de dezembro de 1948, postamos uma crônica de Dom Helder Camara, para o seu programa de rádio Um OLHAR SOBRE A CIDADE.

 

Sexta-feira, 28.1.1977

Meus queridos amigos

 

É impressionante como é fácil parecer bom e como é difícil ser justo.

Justiça, para muitos, tornou-se uma palavra perigosa e feia.

Meu amigo Luís Antônio está riquíssimo. As empresas dele só fazem crescer. Homem generoso e bom está ali. A Irmã Margarida já sabe que, quando as chuvas se aproximam, ela pode contar com cem ou duzentos cobertores para os pobres. Quando se tratou de pintar a fachada da igreja, ele disse ao Padre Cornélio: “Não precisa incomodar ninguém. É uma mixaria a pintura da fachada de nossa igreja. Faço questão de pagar tudo sozinho”.

É assim o meu amigo Luís Antônio: a bondade em pessoa. Não pode ver cego, paralítico, aleijado… Vai logo abrindo a mão. Mas que ninguém se meta a falar em direitos e ninguém o ameace com Justiça do Trabalho. Quando isto acontece, procura vencer de qualquer maneira, se possível, até tentando comprar qualquer um que se deixe comprar…

Meu amigo Luís Antônio meteu na cabeça que falar em direito (mesmo em Direitos Humanos), bater-se pela justiça, é linguagem de quem, sabendo ou sem saber, está mordido de comunismo. Tentei um dia lembrar: mas os Direitos Humanos foram proclamados solenemente pela Organização das Nações Unidas (ONU), inclusive pelo Brasil.

Meu amigo Luís Antônio comenta: “a ideia dos Direitos Humanos foi generosa e justa, mas os comunistas se meterem no meio”.

Hoje, segundo ele, trabalhar pelos Direitos Humanos é fazer o jogo de Moscou.

De outra vez, tentei lembrar que os papas — sobretudo João XXIII e Paulo VI — insistiram, de maneira claríssima, em dizer que, sem justiça é impossível uma paz duradoura e verdadeira.

Meu amigo Luís Antônio acha que o Papa Joao XXIII se deixou iludir pelos esquerdistas e que o Papa Paulo VI, em certas ocasiões, também se deixou envolver por maus cristãos que estão comprometendo a Igreja.

Luís Antônio, meu amigo, estou insistindo no seu nome porque você me parece símbolo de pessoas sinceras que querem ser cristas, se julgam cristas, mas não percebem que tem do cristianismo a visão que lhes convém.

Abra os olhos meu amigo! Repare: se a Igreja defende o que é seu ou o que considera seu, se a Igreja aceita os seus favores e fecha os olhos para as injustiças que, consciente ou inconscientemente, você comete, injustiças que você tenta depois acobertar com suas esmolas, se a Igreja aprova a sua atitude e aplaude, para você é a Igreja de Cristo, é a Igreja eterna e salvadora.

Se a Igreja prefere que, antes de você dar esmolas, tenha o cuidado de ver se dentro do dinheiro que você quer doar, há ou não sangue, suor e lágrimas de seus trabalhadores, se a Igreja se preocupa com os Direitos do Homem e com a justiça como condições para a paz, para você não é a Igreja de Cristo: são leigos, padres e bispos que estão traindo o Evangelho.

Luís Antônio, cuidado! Você quer é que a Igreja de cobertura aos seus interesses bastante egoístas.

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