Memória de Santa Mônica 27 de agosto de 2020
Prezados irmãos e irmãs,
Hoje e amanhã, celebramos a memória de dois grandes santos da Igreja nos séculos IV e V, Mônica e Agostinho, mãe e filho. A respeito de sua mãe, escreve o bispo de Hipona: “Ela me gerou, seja na sua carne para que eu viesse à luz do tempo, seja com o seu coração para que eu nascesse à luz da eternidade”. Santa Mônica nos ensina a nunca desistir, edificante é sua perseverança na oração pela conversão de Agostinho. Com o coração de mãe, no final dos seus dias, confidenciou ao filho, que seria depois o santo bispo de Hipona, sua grande realização: “Uma só coisa fazia-me desejar permanecer por algum tempo nesta vida: ver-te cristão católico, antes de morrer. Deus me atendeu com maior generosidade, porque te vejo até como seu servo, desprezando a felicidade terrena”, conforme atesta o próprio Santo Agostinho em seus escritos. (Confissões, Lib. 9,10-11: CSEL 33,215-219).
Tendo diante dos olhos a Páscoa definitiva de Santa Mônica que celebramos, o Evangelho de hoje, inserido no chamado “sermão escatológico de Mateus”, nos apresenta um belo sinal de confiança e esperança. Jesus prenuncia a destruição do Templo de Jerusalém, símbolo da relação de Deus com seu povo escolhido. Salienta que o fim de uma instituição não significa o fim do mundo e nem o fim da relação entre Deus e os homens. A parábola do empregado fiel e prudente, narrada por Mateus, ressalta a missão da comunidade cristã. Enquanto esperam por Jesus, devem continuar fiéis no serviço aos irmãos e irmãs, sem cair na tentação de negligenciar a prática da justiça, diante da demora do Senhor. Foi este o desafio colocado diante dos olhos dos cristãos de ontem, mas também os de hoje, como lembra São Paulo na primeira leitura que escutamos: “Santificados em Cristo Jesus, chamados a ser santos, junto com todos os que, em qualquer lugar, invocam o nome de Nosso Senhor Jesus Cristo”. Estamos celebrando ainda o mês vocacional que, neste ano, tem por tema “Amadose chamados por Deus”. Lembremo-nos
de que, desde o batismo, somos chamados à santidade e esta meta exige de nós sacrifícios pelo Reino de Deus, que nos garante a paz e a verdadeira alegria que não passam.
A atitude de vigilância recomendada por Jesus no Evangelho, discurso que precede a narrativa da sua paixão e morte na cruz, era uma prática na vida do nosso “Dom da Paz”, pessoa dinâmica, de inteligência privilegiada e que enxergava além do tempo. Era pessoa de enorme sensibilidade, contemplativo, amante da natureza e de prolongadas vigílias noturnas para rezar e escrever no silêncio da noite. Possuía um caráter firme e ideias avançadas. Foi perseguido como os grandes profetas e atingido indiretamente, como no conhecido caso do amigo Pe. Antônio Henrique Pereira, cujos restos mortais se encontram depositados nesta Catedral. Lutador contra toda desigualdade social e injustiça, dom Helder sempre demonstrou grande amor e total fidelidade aos pobres e injustiçados. Seu amor era tamanho que, não raras vezes, se emocionava ao celebrar a Eucaristia, pensando nos “Cristos” que passam fome e vivem abandonados nos grandes centros.
O “servo de Deus” dom Helder tinha grande amor à Igreja e total fidelidade ao papa que costumavachamá-lo, independentemente de quem fosse, de “Pedro de hoje”. É conhecida a história de quecerta vez, presenteem um encontro de bispos,entrou no debatea possibilidade da dispensa do celibato para padres diocesanos, e outros temas polêmicos. Dom Hélder se encontrava na primeira fila, de olhos fechados, aparentemente adormecido, uma vez questionado sobre o assunto, logo levantou os braços e disse: “Com Pedro tudo, sem Pedro nada!”. Ele conhecia perfeitamente o ensinamento da Igreja sobre temas dessa natureza, os respeitava, reverentemente, e, com obediência filial, os assumiana sua prática ministerial. Com efeito, este mesmo pastor,obediente, tinha coragemde questionar e sugerir mudançasradicais na Igreja, como teve oportunidade de confidenciar ao seu amigo Cardeal Montini,mais adiante Papa Paulo VI. Fez isso, por exemplo, ao sugerir a mudança do local de residência do Sumo Pontífice. No número 51 da Constituição Dogmática Lumen Gentium do Concílio Ecumênico Vaticano II, do qual dom Helder foi padre conciliar, está escrito: “Assim como por disposição do Senhor, São Pedro e os outros apóstolos constituem um Colégio Apostólico, o Romano Pontífice, sucessor de Pedro, e os bispos, sucessores dos apóstolos, estão unidos entre si. A índole e o caráter colegial da ordem episcopal são expressos já pela disciplina muito antiga, segundo a qual os bispos de todo o mundo tinham comunhão entre si e o Bispo de Roma no vínculo da unidade,caridade e paz”. Essa comunhãoepiscopal sempre estevemuito presente na vidae nas ações desse “servode Deus”. Hoje, nosso Papa Francisco fala muito em sinodalidade, realidade que dom Helder valorizava muito, ao ponto de, mesmo antes de ser bispo, já sonhar com a Conferência Episcopal dos Bisposdo Brasil. Este sonho se concretizou, logo que foi eleito bispo. Mediante eleição do episcopado, exerceu a função de secretário geral da CNBB, no período de 1952 a 1964.
Consciente de que estava envelhecendo e que poderia diminuir a sua lucidez, certamente inspirado em (Jo 21,18): “Quando eras jovem, tu mesmo amarravas o cinto e andavas por onde querias; quando, porém, fores velho, estenderás as suas mãos e outro te porá o cinto e te levará para onde não queres ir”, teve a sabedoria de pedir aos seus cuidadores que ficassem atentos para que não o levassem a ambientes que não concordaria. O nosso saudoso e venerável arcebispo emérito se tornou figura lendária, o que é comum na história dos grandes homens. Também o seu nome somente deverá ser usado quando a motivação fizer por merecer e, sobretudo, estiver sintonizado com as orientações da Igreja a que serviu. Somos hoje os cuidadores de sua memória, de seu pastoreio e, assim, seu amor à Igreja deve continuar ressoando aos nossos ouvidos e sua fidelidade à Igreja deve continuar falando à nossa consciência.
Como arcebispo, peço a Deus a graça de amar a Igreja, de ser fiel à Igreja, como dom Helder, ao exercer o múnus de ensinar, de santificar e de pastorear essa “porção do povo de Deus”, nessa querida Arquidiocese de Olinda e Recife. Atentos à palavra da exortação de São Paulo aos presbíteros de Éfeso, considerem os nossos presbíteros e diáconos sua condição de guardiães do povo de Deus: “Cuidai de vós mesmos e de todo o rebanho sobre o qual o Espirito Santo vos estabeleceu como guardiães, para apascentardes a Igreja de Deus que ele adquiriu com seu sangue”(At 20,28). Esta exortação vale pra todos nós, que celebramos a memória de dom Helder, na condição de ministros ordenados, membros da vida consagrada e leigos e leigas de nossa Arquidiocese. Perguntemo-nos se estamos amando a Igreja, se estamos sendo fieis à Igreja, como ele o foi.
Concluo, convidando todos e todas, a rezarem pelo processo de beatificação e canonização do “servo de Deus”, nosso dom Helder Pessoa Câmara, para que caminhe a passos largos e possamos ver reconhecidas as virtudes heroicas do “irmão dos pobres”, como, amavelmente, o chamou o papa João Paulo II, em Recife.
Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!
Dom Antônio Fernando Saburido, OSB Arcebispo de Olinda e Recife