por Prof. Martinho Condini
(Texto inspirado pelo artigo do Pe. Reginaldo Veloso “Meninos, eu não ouvi” – 2009 – por ocasião do centenário de nascimento de Dom Helder Camara)
Fico a imaginar Dom Helder olhando as comemorações do seu centenário no Brasil e outros lugares do mundo. Que benção esses que tiveram a felicidade de conhecer o pensamento e ouvir esse pequeno grande homem, nordestino, brasileiro, latino-americano e cidadão do mundo. Emocionado e grato pelas homenagens, Dom Helder diria que não era merecedor de tudo isso. As homenagens a Dom Helder estão sendo feitas por admiradores, amigos, companheiros de luta, religiosos de todos os credos e leigos. Todos de alguma maneira querem reverenciar esse profeta do século XX. Ao lembrar da trajetória de vida de Dom Helder, observo pessoas e instituições que historicamente estiveram em oposição a ele, hoje estarem na celebração do seu centenário. Em sua grandeza ele aceitaria essas presenças, pelo respeito que ele sempre teve aos seus adversários, independente das diferenças políticas, religiosas e ideológicas de cada um deles.
Esteve presente na celebração do centenário, o arcebispo Dom José Cardoso Sobrinho, substituto de Dom Helder na Arquidiocese de Olinda e Recife a partir de 1985. Nomeado pelo papa João Paulo II. É nesse período do papado de João Paulo II que a Igreja progressista da América Latina e a Teologia da Libertação foram destituídas do cenário clerical e seus seguidores perseguidos pelo Vaticano. Foi este mesmo João Paulo II que deu o título a Dom Helder de “Irmão dos pobres e meu irmão”. Vemos que o discurso e a prática do clero, mais uma vez na história, não se coadunam com a realidade dos fatos daquela época.
E o nobre ex-senador pernambucano Marcos Maciel? Durante a ditadura militar, militou nos partidos políticos que apoiavam o governo dos milicos e eram opositores das idéias e atitudes de Dom Helder. O que estava fazendo o nobre senador nessa celebração? Representando os militares! É claro que não! Hoje, vivemos numa democracia e Dom Helder lutou muito para a reconquistarmos. Na ditadura militar a relação com o arcebispo Dom Helder e seus companheiros foi muito difícil. A Igreja das Fronteiras metralhada, telefonemas ameaçadores, assassinato de companheiros religiosos e leigos, o boicote ao recebimento do prêmio nobel da paz e o cala boca por sete anos. Oh! nobre senador, eu quero crer que a sua possível omissão diante de todos esses acontecimentos , talvez tenha ocorrido pela truculência dos milicos. Afinal de contas, vivíamos o período do AI-5 e os “Anos de Chumbo”.
E a presença de Dom Geraldo Lírio, Presidente da CNBB na época, era presença obrigatória. Mas no seu sermão, Dom Lírio esqueceu-se de falar sobre a perseguição que a entidade fundada por Dom Helder, a CNBB, fez contra ele após o golpe militar de 1964. Que pena dom Lírio! Seria mais honesto por parte da CNBB relatar a verdade histórica da relação entre CNBB e Dom Helder. Quero acreditar que Dom Lírio, muito emocionado, ao fazer o sermão na celebração de um dos mais importantes cristãos do século XX, esqueceu de contar alguns fatos como o fechamento por parte da CNBB do Instituto de Teologia de Recife e o Seminário Regional Nordeste II, instituições idealizadas e criadas por Dom Helder. Ocorreu também uma intensa perseguição ideológica aos seus escritos e pronunciamentos. Vigilância essa orquestrada pela CNBB e o Vaticano.
Quero concluir que um dos legados deixados por Dom Helder foi a sua coerência entre o discurso e a prática. Como é difícil unir esses dois aspectos e fazer essa integração. Dom Helder conseguiu durante a sua vida inteira pensar, falar e agir conforme os seus princípios políticos, ideológicos, religiosos, éticos e morais. Um ser humano pleno em pensamento e práxis. Hoje só nos resta agradecer sua existência, pelo exemplo de vida deixado pelo homem e religioso que sempre esteve a frente do seu tempo. Acredito que a nossa missão seja semear às novas gerações o pensamento, os princípios e as atitudes desse modelo de homem, religioso e profeta Dom Helder, afim de colaborarmos para a construção de uma sociedade mais humana, justa e fraterna. Caro Dom ! Você estará sempre junto de nós!
O texto: Prof. Martinho Condini. Mestre em Ciências da Religião e doutor em Educacao ambos pela PUCSP. Pesquisador da vida e obra de Dom Helder Camara. Publicou pela Paulus Editora \’ Dom Helder Camara um modelo de Esperança, \’ Helder Camara um Nordesino Cidadão do Mundo\’, \’ Fundamentos para uma Educação Libertadora: Dom Helder Camara e Paulo Freire\’ e o dvd \’ Educar para a Liberdade: Dom Helder Camara e Paulo Freire\’.