O PÃO NOSSO *

Por Félix Filho**
Nos primeiros anos da década de 1970, o monge Marcelo Barros comandava um grupo de jovens chamado “Fraternidade”, que se reunia numa casa ao lado do Mosteiro de São Bento de Olinda, no mesmo local onde haviam se instalado, poucos anos antes e por iniciativa de Dom Helder Camara os monges de Taizé.

As reuniões aconteciam aos sábados. Ao final desses encontros e sempre por volta das seis horas da noite, celebrava-se uma missa que nada tinha em comum com as cerimônias tradicionais do mosteiro.

O diferencial se mostrava logo na postura dos participantes. Todos sentados no chão, inclusive o celebrante da missa, ao redor de uma pequena mesa onde eram colocados o pão e o vinho. Dispensando as vestes litúrgicas, Marcelo Barros usava apenas uma estola. E a Eucaristia era celebrada com um pão comum, ao invés das hóstias tradicionais.

Num dos sábados o arcebispo resolveu aparecer por lá de surpresa. Quando chegou a celebração havia começado e, em pouco tempo, já estava plenamente integrado com os mais de 40 jovens. Sentados no chão, como os demais presentes, cantava e rezava. Tudo lhe pareceu muito normal. Por sua vez, Marcelo, percebendo que o uso do pão comum poderia trazer algum problema, ficou imaginando como mandaria buscar hóstias na sacristia do mosteiro. Como não fava tempo, resolveu abrir o jogo:

– Dom Helder, aqui nós celebramos todos os sábados usando pão comum em vez das hóstias tradicionais.

– E é permitido?

– Não, mas Igrejas Ortodoxas e Evangélicas usam o pão comum nas suas celebrações!

-É, mas não na Igreja Católica Romana, insistiu o arcebispo.

– Se o senhor quiser – ponderou Marcelo – posso buscar as hóstias no mosteiro!
– Não! Vamos continuar com a celebração do jeito como ela se realiza aqui todos os sábados.

– E o senhor vai celebrar assim mesmo?

– Claro meu filho. Se você pode celebrar com pão comum, eu também posso.
*Publicada no livro ALÉM DAS IDEIAS, de Félix Filho
**Félix Filho é jornalista, teólogo e escritor.

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