UM OLHAR SOBRE A CIDADE: MENINOS DE RUA

 
Terça-feira, 30.7.1974
Meus queridos amigos
 
Quando Piu-Piu, com seus 11 anos, se envolveu no cobertor que acabara de ganhar, não precisava dizer que era a primeira vez que agasalho tão gostoso o abrigava… Encontrei-me com ele na manhã seguinte e ele foi gritando: “Sabe, sonhei a noite toda que estava enrolado numa nuvem!”
 
Já viram crianças pobres tomar, pela primeira vez, chocolate? Já experimentaram a alegria de garotos de uma área pobre ganhar bola de futebol, de verdade, camisas e chuteiras? Já levaram ão circo um bando de crianças?
 
O ideal, em todos estes casos, seria que os pais ganhassem o suficiente para sustentar a família e ainda sobrar algumas pratas para dar alegria a garotada…
 
Já viram garotos pendurados na traseira de ônibus? Claro que acho errado e perigosíssimo. Mas há pessoas que se irritam não porque estejam aflitos com o perigo sofrido pelos jovens pingentes: tem horror ao ver meninos maltrapilhos, pendurados no ônibus, enfeiando a cidade.
 
Não falta quem diga: Por que ao menos não andam de roupa limpa, de pés limpos? Por que não usam, ao menos, uns tamancos? Por que não entram no ônibus? Mesmo que não tivessem dinheiro para a passagem, não faltaria quem pagasse. Quantos equívocos!… Para andar limpo é preciso roupa para mudar, água para lavar a roupa suja, hábito de limpeza, casa onde morar…
 
Há quem se revolte encontrando menores em pleno vício: roubando, jogando, fumando, bebendo… Quando não se tem casa ou quando a casa é um mocambo infecto, a casa natural, normal, é a rua. Quem vive na rua, encontra, uma vez na vida, um ou outro companheiro bom. O mais é gente viciada que tem gosto em viciar os outros…
 
É triste a pelada para quem gazeia a escola, para quem foge do trabalho, para quem quer passar o dia inteiro jogando… Mas é uma delícia a pelada, para quem se inicia em uma equipe, obedece a um capitão do time, se obriga a ensaios, atende ao juiz…
 
Há quem reclame porque os papagaios, as pipas, se engancham nos fios elétricos e ficam enfeitando a cidade… Não será fácil de perceber que o voo é uma escapada para o alto, para o azul, para os largos espaços, acima, muito acima da “Vida Severina” vivida no chão dos homens?
 
Seria fácil continuar multiplicando exemplos. Importante é saber que os Piu-Piu estão por aí as centenas, quase aos milhares… Dependem em parte de nós, com pequenos gestos, ajudá-los a não caírem de vez na marginalidade, mas, ao contrário, começarem a difícil caminhada para chegarem um dia a serem homens de bem…

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