AS NOITADAS NO SOLAR DE SÃO JOSÉ DOS MANGUINHOS

Ter nascido em pleno domingo de carnaval não foi por acaso. Talvez tenha sido para que a alegria que paira no ar nos dias de momo, fosse absorvida e nele fizesse morada por toda a sua vida.

Assim era Dom Helder Camara, o dom da vida, da paz, da esperança e da alegria. Alegria, entre outras coisas, de colocar sua vida a serviço dos irmãos, sobretudo dos marginalizados, excluídos, dos oprimidos sem vez e sem voz.

O DOM que tinha DONS DE POETA para anúncio da VIDA PROFÉTICA, nos ensinava, continuamente, que não precisamos ser sisudos e tristes para falar do Projeto de Deus e, através da arte, buscava os caminhos para falar de seu imenso amor por todos os seus irmãos e irmãs. Afinal, dizia ele, “não somos todos filhos do mesmo Pai”?

E esse apreço pela arte, em suas diversas formas de manifestação e a vontade de encher de vida e alegria os Manguinhos, o qual não gostava que fosse chamado de palácio, o levaram a, em plena ditadura militar, a promover o que chama de “Noitadas no Solar de São José dos Manguinhos”. As noitadas se assemelhavam aos saraus de antigamente, com muita música, poesia, literatura de uma maneira geral, peças de teatros e discussões filosóficas e teológicas.

A ideia do que ele viria a chamar de “noitadas” surgiu quando em 06 de maio fez uma visita a Ariano Suassuna e ficou impressionado ao participar de uma “Noitada Literária”, organizada por Ariano e, posteriormente, de uma “Noitada de Artes Plásticas”, organizada por Francisco Brennand. 



Sobre esses eventos Dom Helder comentou: “A casa do Ariano, em si, já é uma delícia. Ele a encheu de gente moça, chispando inteligência e simpatia… um encanto de noite. A próxima peça de Ariano será estreada no Palácio São José dos Manguinhos… que a mocidade vai tomar de assalto…


No dia 16 de maio de 1964 aconteceu aquela que seria primeira de uma série de Noitadas. Sobre a Noitada Dom Helder comentou em sua 20ª Circular Interconciliar, escrita em 16.17/05/1964: 

“A Vigília foi marcada pelo início das Noitadas. Como agradeci a Deus!
 O que meus olhos viam! A Casa do Pai aberta à inteligência, imagem viva do Senhor”!

Em torno de Newton Sucupira, um grupo privilegiado, num milagre de amor… Ao lado de católicos como o próprio Newton, o Pe. Zeferino, Luis Delgado, Maria Antônia McDowell, havia um Lourival Vilanova (muito marcado pelo kantismo), um [José] Gláucio Veiga (muito mordido pelo marxismo), um Carlos Maciel (muito embarcado, sem notar e sem querer, no positivismo lógico).

O Newton, a propósito do conceito de filosofia, fez desfilar as principais correntes de pensamento nos nossos dias. O debate que se prolongou até meia noite (começamos às 8 e meia) deu medida não só do valor excepcional do grupo, mas do interesse que a Noitada despertou. As reuniões ordinárias do grupo de filosofia serão de mês em mês (havendo comunicações filosóficas a transmitir, qualquer um pode pedir reunião extraordinária). Próximo encontro previsto: 17 de junho, a cargo do Lourival que abordará um tema husserliano. Em julho, se Deus quiser, o [José] Gláucio [Veiga] estudará conosco a história em Hegel e Marx. Em agosto (se não houver reunião extraordinária), o Newton quer falar sobre Heidegger (Remontagem do fundamento da metafísica)”.

Essa relação de amor e admiração que Dom Helder tinha com as artes estão narrados, por ele mesmo, nas cartas que escrevia à sua querida Família Mecejanense, narrando os acontecimentos pré, inter e pós conciliares, tanto no quando estava no Vaticano, tanto quando estava na Arquidiocese e que estão publicadas nas Obras Completas.

A quantidade de Noitadas realizadas não se tem certeza do total. Tudo o que sabemos é que foram muitas e que encheram de arte e alegria o Solar de São José dos Manguinhos, do jeito que o Dom gostava.

Inspirados pela narrativa dessas noitadas e desse apreço pelas artes, por Marcelo Barros em seu livro “Dom Helder Camara – Profeta para os nossos Dias”, a Articulação de Leigos e Leigas de Recife e o IDHeC, Instituto Dom Helder Camara, se propuseram o desafio de recriar uma noitada para comemorar os 110 anos do nascimento de Dom Helder.

Buscando mais informações no livro “Andar às voltas com o belo é andar às voltas com Deus” – A Relação de Dom Helder Camara com as Artes – organizado pelo prof. Newton Cabral e pela historiadora do IDHeC Lucy Pina, o desafio foi aceito e, no dia 07 de fevereiro de 2019, na Igreja das Fronteiras, foi recriada uma noitada, com a realização de um sarau com muita música, poesia e carnaval.

Mas sobre isso vamos falar em nossa próxima postagem.

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