CARTAS PÓS-CONCILIARES – 337ª Circular – 464ª Circular

 
 
 
Recife, 23/24.12.67
 
VIGÍLIA DE NATAL
 
A querida Família Mecejanense
 
Ontem, tive uma inesperada e original preparação para a Grande Noite: indo ao Canal 2, tomar parte num programa, encontrei, nos bastidores, os dois Chicos: o Anysio e o Buarque. Era a primeira vez que eu encontrava, em pessoa, o Chico.
 
Tive a feliz inspiração de ficar para ouvi-lo. Valeu por uma Vigília de prece. “Roda Viva” é meditação profunda sobre o destino (claro que o entendo como força misteriosa e invencível, mas a serviço dos planos de Deus). “Carolina” tem o dom de comover-me, profundamente. Quantas vezes, a gente faz tudo para tentar que ela veja!… Nascem rosas lindas, surgem estrelas, nascem mundos e Carolina não vê…
 
De Chico, não se perde uma. Dependesse de mim e quando os líderes da atual classe dirigente (políticos ou empresários) fossem dormir, irromperia, no quarto, “Pedro pedreiro”. Quando fossem acordando, outra dose de “esperando, esperando, esperando…”.
 
Quem te viu, quem te vê é tão humana e tão real! Não posso mais ver turista sem que me venha a música do Chico.
 
Aflige-me a insistência com que se canta que tudo é permitido no Carnaval e que, passados os três dias, o que passou, passou…
 
Pedi tanto pelos jovens, ouvindo o Chico. Ele disse, de público, que estava perturbado por ver, no Auditório, o Dom, de quem se proclamou fã incondicional. Pedi tanto pela nossa música que vive momento tão alto!
 
Pedi, especialmente, pelo Chico. Dizem-me que ele anda bebendo demais.
Vai ver que se ele não sofresse e não bebesse, “Roda viva” não rodava…[fl. 2]
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Após-Concílio
 
Recife, 27/28.12.68
 
Enquanto a Vigília prossegue – e eu canto o Ofício dos Santos Mártires Inocentes, dentro do espírito de Natal – tenho diante de mim, um lindo Presépio de madeira e a mais bela árvore de Natal de quantas eu vi… Uma árvore cheia de corrupios (ventarolas? rosas do vento?). A janela está aberta e os corrupios rodam. A árvore se chama Roda viva, porque os corrupios, rodando, dão a impressão de cantar a obra-prima do Chico [Buarque].

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