Segunda-feira, 12.7.1982
Meus queridos amigos
Há assuntos delicados, difíceis de tratar, porque, facilmente, sem querer, podemos magoar quem está em carne viva. Mas há assuntos que mesmo sendo delicados, mesmo sendo difíceis de tratar, mesmo correndo o risco de, sem querer, magoar quem está em carne viva, a gente precisa ter a coragem de abordar… Era difícil encontrar um brasileiro que não estivesse vibrando com a nossa equipe de futebol, que estava jogando na Copa do Mundo.
Era difícil encontrar um brasileiro ou brasileira que não estivesse contando na certa com a vitória final do Brasil. A Canarinha, dirigida por Telê Santana, se preparara, de verdade. Era toda válida e dispunha de craques de deixar água na boca de qualquer time estrangeiro. Basta lembrar Zico ou Sócrates, Eder ou Júnior, Valdir Perez ou Cerezo. Quando já estávamos praticamente com a caneca na mão, bastando um empate com a Itália, e depois mais duas barreiras fáceis de ultrapassar, perdemos para a Itália, e o Carnaval preparado virou tristeza nacional. Creio que ninguém comete a injustiça de negar a beleza do jogo que nossa equipe apresentou na Espanha e a segurança com que respondeu a jogo de caneladas com futebol pra valer, de primeira classe… Mas, agora, é que vem o ponto delicado do nosso comentário.
Pensando bem, pensando bem, guardando palmas para nossa equipe e o seu grande treinador, para o Brasil, para o nosso povo, perdoem que eu diga: A nossa não classificação final foi um bem. O futebol que está em nossas veias de brasileiros, está sendo explorado como alienação de primeira classe. Repararam como foi na hora exata das nossas vitórias que a inflação voltou a ser anunciada na sua crueza e que aumentos de preços impossíveis para a nossa gente sofrida foram anunciados? Nosso povo estava anestesiado.
E haja aumento, haja aumento… Claro que os aumentos não deixarão de vir. Os pacotes não vão deixar de aparecer… Mas a embriaguez passou. Os olhos voltaram a abrir-se. Nossa gente acordou. Nós não sabemos escrever certo em linhas tortas: Deus sabe. Onde é que se viu aposentado receber corte no minguado vencimento que lhe coube, depois de toda uma vida de trabalhos?
Até quando o custo de vida continuará, atingindo pontos vitais como pão e leite, passagens de ônibus e bujão de gás? Até quando projetos enganosos como miragens e derrames de dinheiro vão tentar hipnotizar nossa gente sofrida? Até quando desvios dolorosos como o do Inamps vão ter o mais estranho e absurdo dos desfechos: das vítimas pagarem pelo roubo que sofreram? Não preciso estar lembrando o que nosso povo já não corre o perigo de esquecer: cuidado gente grande e poderosa… A anestesia passou. A embriaguez se foi. Nossa gente está de olhos abertos, escancarados…