Quinta-feira, 23.9.1976
Meus queridos amigos
Os tempos passam, os séculos se sucedem e continuamos a ver pelas ruas mães acompanhadas de filhos menores, já capazes de andar, e mesmo as mães mais solícitas, continuam a esquecer que cada passada normal de adulto vale, pelo menos, meia dúzia de passos de crianças. Clássicos latinos já observaram que de vez em quando a criança precisa dar umas carreirinhas para alcançar as passadas maternas. Lembro-me da nossa atitude para com o povo. Muitos vencem o preconceito errado de que o povo não vê nada, não sabe nada e é incapaz de qualquer planejamento, por mais simples que seja. Mas na hora de trabalhar com o povo e não para o povo, se esquecem de que o povo tem experiência de vida, em geral, muito maior do que a nossa, mas não teve, não pode ter, os anos de estudos e de leituras que nós temos.
Começam a dar passadas tão largas que obrigam o povo a dar carreirinhas para acompanhar-nos. Quantas vezes, cedemos a uma tentação muito grave e muito séria. Com a alegação de que não há tempo a perder, sabemos que nós sabemos fazer, sozinhos, mais depressa e com mais segurança e perfeição, achamos mais fácil e melhor fazer sozinhos do que esperar que o povo faça. Muita coisa o povo sabe fazer melhor que nós.
O que depender de livros, de estudo, claro que quem pode ter o privilégio de anos de estudos e leituras vai fazer melhor e com mais rapidez. Se não tivermos a inteligência e a coragem de esperar que o povo tente, que o povo faça, mesmo que a princípio demore mais e faça e não apenas para o povo, com defeitos, se não tivermos a decisão de verdadeiramente trabalhar com o povo, não teremos a alegria de ver o povo crescer! A tentação de quem tem dinheiro é tudo querer resolver na base de dinheiro. Assim, o povo jamais vai descobrir que riqueza, a maior de todas, maior que qualquer dinheiro nos bancos, é o povo se unir para fazer o bem.
Cada um, isolado, pode muito pouco. Praticamente não pode nada. Não vale nada. O povo junto para enfrentar construtivamente os problemas da comunidade é a riqueza autêntica das autênticas democracias. Enquanto o mundo inteiro, os governos, não acreditarem na capacidade do povo e tudo planejarem nos gabinetes, e tudo decidirem com técnicos e supertécnicos, o povo ficará marginalizado. Mas os governos serão os maiores prejudicados. Tudo que é resolvido para o povo, sem o povo, é artificial, não funciona… Quando aprenderemos a acertar o passo, quando aprenderemos a andar juntos?