UM OLHAR SOBRE A CIDADE : OS BÊBADOS

 
Terça-feira, 11.3.1975
 
Meus queridos amigos
 
Ontem, encontrei um bêbado. Um homem já de meia idade, casado, com filhos… O que estaria ele procurando esquecer? Não consigo rir dos bêbados por mais ridículos que eles se tornem. Tenho paciência com os bêbados irritantes, valentões, provocadores… A experiência ensina que quando a criatura mergulha no álcool está querendo afogar alguma tristeza grande ou fugir de alguma situação sem saída… Mas já repararam que a embriaguez do álcool ou das drogas não é a maior embriaguez? 
 
Há quem se embriague com a glória. A criatura começa a triunfar, a ser aplaudida. Se acreditar nos louvores e pensar em subir sempre mais, estará cedendo a uma embriaguez perigosa. O poder também embriaga. Trabalhador que chegou a feitor.  Mas a tentação de mandar e desmandar rebenta sem nem se saber como às vezes se torna o pavor dos antigos companheiros. Já viram como é fácil um guarda de trânsito, com apito na boca, imaginar que todos estão ali submissos a ele e presos às suas ordens? Como é difícil um policial andar armado e conservar equilíbrio e serenidade! Há grandes policiais: cumpridores do dever, obedientes à lei, humanos… mas a tentação de mandar e desmandar rebenta sem nem se saber como, nem porque… Quanto mais alto é o poder mais grave pode ser a embriaguez… Já viram criaturas embriagadas pelo trabalho? 
 
Em pesquisadores acontece a duas por três. Tenho visto homens tão empolgados com o que estão fazendo que esquecem tudo: não pensam em comer, nem descansar, nem em ir para casa, onde esposa e filhos os esperam.
 
O sofrimento, quando é grande demais, deixa bêbado… E tanto embriaga o sofrimento físico — e nos hospitais, tantas vezes vemos bêbados de dor — como o sofrimento moral. Com um enorme respeito devo ainda recordar os que se tornam bêbados da mais sagrada embriaguez: há quem se embriague e tonteie, e delire com o excesso de graças e de luzes recebidas… 
 
Em Pentecostes, quando os apóstolos ficaram tomados pelo Espírito Santo, que descera a cada um deles sob a imagem de uma chama; em Pentecostes, quando se deu o dom das línguas, e os apóstolos falavam a língua materna, e cada um os escutavam e entendiam na sua própria língua, não faltou quem julgasse que Pedro e seus companheiros estavam bêbados… 
 
E estavam mesmo! Respeitem os bêbados! Os que se afogam na bebida, em geral, estão curtindo grandes sofrimentos! Os bêbados de glória, de ambição, de poder, não merecem desprezo — nunca se deve desprezar ninguém! Merecem preces para que evitem o ridículo, injustiças, arbitrariedades que, a frio, não seriam capazes de cometer… Os bêbados de trabalho afligem! Os bêbados de sofrimento comovem… Espetáculo inesquecível é encontrar, um dia, no caminho, uma criatura bêbada de Deus!

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