Sexta-feira, 19.11.1976
Meus queridos amigos
Ouve mais do que fala — tens dois ouvidos e uma boca… Age mais do que fala — tens uma boca e duas mãos… É tão fácil falar e tão difícil escutar! Há pessoas então que quando disparam, quando a língua se solta, têm dificuldade séria de encontrar um paradeiro. Dizer palavras bonitas, anunciar grandes princípios, ditar teoria, tudo isso é tão simples! Escutar, de verdade, é difícil. É fácil fazer de conta que se escuta. Deixar falar. Lá no íntimo, quase sempre, há decisões tomadas. A escuta é mais um faz de conta, uma satisfação prestada aos nossos tempos de diálogo… Deus bem que nos avisa dando-nos dois ouvidos e uma só boca. O mesmo acontece nos domínios da ação. Deus nos dá uma boca e duas mãos. Uma boca? Há momentos em que damos a impressão de possuir umas dez bocas. O povo comenta que há quem fale pelos cotovelos… mas passar da teoria à ação é distância larga. E isto é tão sério! Não me canso e não me cansarei de alertar nossos irmãos católicos e nossos irmãos evangélicos. Nós cristãos temos tido reuniões importantíssimas. Firmamos documentos espetaculares. Chegamos a conclusões maravilhosas… Na hora de usar as duas mãos que Deus nos deu, na hora de aplicar nossa bela teoria, cadê disposição, cadê coragem? E quando alguns cristãos se decidem a viver o que foi estudado e aprovado por nossa Igreja, sem dúvida encontramos problemas por parte de autoridades que nos interpretam mal. Mas, as primeiras freadas partem muitas vezes de dentro da nossa própria Igreja.
Quando nos convenceremos de que é urgente que o povo sinta a decisão da Igreja de ficar com ele na hora da defesa pacífica de seus direitos? Quando nos convenceremos de que ninguém segurará os jovens, pois eles partirão para a violência armada e para os mais terríveis radicalismos se só encontrarem uma não violência covarde, medrosa, com cem bocas, mas sem mãos? O ideal é continuar na vida com ação e reflexão. Pensar, pensar, pensar, descansar para tornar a pensar, sem sair do pensamento, vale muito pouco. Também agir sem pensar é leviandade, é expor-se a erros funestos e a cabeçadas lamentáveis. Pensar e procurar viver os pensamentos. Agir e procurar rever o pensamento, de acordo com as lições que a realidade apresenta a quem usa as duas mãos. Fazer com que, de modo constante, ação e reflexão se enriqueçam mutuamente, eis o que nos ensina a vida! Dois ouvidos e uma boca. Uma boca e duas mãos. Mas conduzindo boca e ouvidos, mãos e boca, temos cabeça e corações que Deus nos deu.