UM OLHAR SOBRE A CIDADE: VIDA VIGIADA

 
 
Quarta-feira, 22.11.1978
 
Meus queridos amigos
 
Diz o artigo 12 da Declaração Universal dos Direitos Humanos: “Ninguém será sujeito à interferência em sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataques à sua honra e reputação. Todo homem tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques”. Estas e outras garantias asseguradas pelas Nações Unidas são válidas para tempos de paz e tempos normais. 
 
Quando a Segurança Nacional se torna valor supremo, o valor dos valores, entramos no domínio do vale-tudo. Não há barreira, desde que se alegue que se trata de salvaguardar a Segurança Nacional. A vida privada, hoje, pode ser invadida com a maior facilidade. Nos correios dos países que controlam a correspondência de pessoas suspeitas, há salas especiais em que técnicos, com a maior facilidade, abrem qualquer envelope. A Xerox tira cópia em cinco segundos. A carta segue, mas a documentação fica, perfeita, irrefutável. 
 
E quem não sabe que, hoje, de um carro parado em frente a uma casa, é possível captar tudo o que se conversa, mesmo em meio tom, na intimidade do lar? Um amigo ia entrando comigo na sala em que eu trabalho no Palácio dos Manguinhos10. De repente, ele parou. Fez-me um sinal chamando para fora da sala e disse: “Posso garantir, com absoluta segurança, que nesta sua sala há um aparelho, gravando tudo o que nela se diz”.
  
Eu achei graça e comentei: “Quer dizer que o seu aparelho detectou a presença de um aparelho em minha sala?” Ele não teve dúvida de confirmar que sim e mostrou-me o aparelhinho, discreto como um alfinete de gravata, que dava sinal quando, na redondeza, algum aparelho de gravação estava funcionando. 
 
Meu amigo ficou impressionado com a calma com que eu insistia em conversar com ele na sala em que ele garantia que estava funcionando um aparelho de escuta e gravação. Não liguei a mínima. Não nasci para conspirar. Prefiro até que tudo que eu digo seja gravado, porque eu respondo pelo que eu digo e não pelo que dizem que eu disse. Mas não deixa de ser triste que a vida íntima, a vida privada, esteja sujeita a tantos assaltos e a tantas agressões

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