Em plena preparação para a Páscoa, onde a reconciliação é fundamental para que a Páscoa seja, realmente, uma renovação, postamos uma crônica escrita por Dom Helder, escrita há quarenta e dois anos, que, usando a música \”Valsinha\”, de Chico Buarque, fala sobre a reconciliação dos casais. Enquanto lemos a crônica, vamos ouvir a música, uma valsinha suave que nos convida a dar as mãos, esquecer o passado e dançar.
Quinta-feira, 19.2.1976
Meus queridos amigos
Quem conhece casais desentendidos, ele pra lá, ela pra cá? Os dois se atacam, os dois se acusam, mas lá no íntimo do íntimo, os dois se amam e se esperam… Ah! Se um dia a “Valsinha” de Chico Buarque se tornasse realidade!
“Um dia ele chegou tão diferente Do seu jeito de sempre chegar. Olhou-a de um jeito muito mais quente Do que sempre costumava olhar.
E não maldisse a vida tanto Quanto era seu jeito de sempre falar. E nem deixou-a só num canto, Pra seu grande espanto Convidou-a pra rodar.
Então ela se fez bonita Como há muito tempo não queria ousar. Com seu vestido decotado, Cheirando a guardado de tanto esperar.
Depois os dois deram-se os braços Como há muito tempo não se usava dar. E cheios de ternura e graça Foram para a praça E começaram a se abraçar.
E ali dançaram tanta dança Que a vizinhança toda despertou E foi tanta felicidade Que toda a cidade Se iluminou.
E foram tantos beijos loucos, Tantos gritos roucos Como não se ouvia mais, Que o mundo compreendeu E o dia amanheceu em paz.”
Tenho praticamente a certeza de que encontro assim só não se dá muito mais, antes de tudo, porque sobra amor próprio de lado a lado.
Ninguém quer ser vencido. Ninguém quer dar parte de fraco. Ninguém quer ceder.
Quem não sabe que para além do amor próprio há amor dormindo, amor pisado, maltratado dos dois lados, mas amor… E quando há amor de lado a lado, por mais que os dois se escondam, há dias, há momentos em que uma chispa dispararia a “Valsinha” de Chico…
Mas aqui surge um grande entrave: fosse só os dois eles já teriam se reencontrado. Mas há os insufladores e insufladoras…
Há quem pague para encher os ouvidos dos outros com informações, com notícias, com segredos, sempre para azedar e desunir. Mandem às favas o amor próprio.
Vocês se feriram de lado a lado. Mandem passear os intrigantes e as intrigantes, por mais que se cubram com máscara de amigos.
E quando a “Valsinha” rebentar, quando a vizinha estiver acordando feliz, quando a cidade estiver se iluminando, me chamem que eu pago para ver e saudar e aplaudir corações que se reencontram.