Terça-feira, 11.1.1977
Meus queridos amigos
Um amigo perguntou-me se eu não exagero na linha da esperança. E quis saber se, de verdade, eu descubro saída e saída pacífica para a entalada em que se acha o mundo. E comentou a sabedoria popular do dito tão conhecido: “Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”.
Deus me livre de negar que está difícil, aparentemente sem saída, a situação do povo. Hoje, alguém ter a coragem de se apresentar como tendo a solução, como tendo as soluções, é ridículo: nós todos estamos tateando nas sombras.
Mas vamos ver de perto o que todos nós repetimos em certas situações sem saída: “Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”. Bicho! Que bicho é esse? Até quando seremos tão crianças a ponto de ter medo do Bicho-Papão?
Até quando vamos ter medo do Lobisomem? Muita gente se prejudica ainda mais na vida devido ao medo. Sei que se pode dizer que é fácil quem tem dinheiro e é forte e poderoso não ter medo.
Como pode deixar de ter medo quem não tem onde cair morto e não tem como se mover vivo? Ah! Se os pequenos conhecessem quanta lei existe capaz de defendê-los! Bem sei que os pessimistas, com olhos de carvão, vendo tudo escuro, logo dirão que lei só é aplicada quando favorece os grandes, e é como se não existissem quando favorecem os pequenos.
Quando os pequenos se juntam dentro da lei, para defender, sem violência, os direitos que a lei garante, os pequenos se tornam grandes. De primeiro, o grande cuidado da Igreja era acudir os necessitados: levar comida, roupa e remédios aos pobres. Claro que sempre haverá o cuidado, dentro do possível, de socorrer irmãos nossos, 98 filhos de Deus, doentes, nus, famintos… Mas o cuidado número um da Igreja, em nossos dias, é lembrar ao povo que povo é gente, não é bicho, não é objeto, não é número.
É gente. E tem cabeça para pensar e vontade para querer e boca para falar. A grande caridade hoje consiste em ajudar a fazer justiça. O grande cuidado da Igreja é criar nos pequenos a confiança no direito. Não deixar que o povo se embriague com apelo à violência.
O grande trabalho da Igreja é ensinar aos pequenos as leis que os protegem e provar que o povo unido, dentro da lei, tem o apoio do governo, que existe para defender o direito. Se correr o bicho pega? A gente não tem medo do bicho. Se parar o bicho come? O povo tem direitos. Cada um sozinho não vale nada. O povo unido, dentro da lei, desafia qualquer Lobisomem, qualquer Bicho-Papão.