CIRCULARES CONCILIARES – 60ª Circular

 
Genebra, 1/2.11.1964726
 
À querida Família Giovanina,
 
Vigília de finados…
 
Preparando-me para as três Missas de hoje, se Deus quiser, medito sobre o mistério da morte.
 
Quem lê Teilhard de Chardin, se impressiona como a meditação sobre a morte volta a seu pensamento. Curioso é que a impressão forte, para ele, não era a morte individual, mas a morte (e a ressurreição) do universo.
 
Aqui, embora entenda o alcance da morte universal, não vejo como não dar prioridade à meditação sobre a morte para cada um de nós. A meu ver, o grande teste é a coragem de perguntar, diante de Deus: que aconteceria se a morte me levasse agora, neste instante?…
 
Feliz de quem descobrir que, fiado na infinita misericórdia divina, estaria disposto a partir, sem pedir nenhum segundo de prazo… É a graça que agradeço e peço para toda a Família Humana e, de modo especial, para toda a Família Giovanina…
 
Como ter ilusões sobre a possibilidade de partida inesperada, se aí estão, como exemplos decisivos:
 
– O querido Núncio––727, que se vai, na hora em que se preparava para assumir, em Roma, a Secretaria de Estado, de Sua Santidade;
– O querido Montblanc728que, dias antes, se sentia, de acordo com o médico, em perfeita forma…;
– O querido Santiago729, que se preparava para candidatar-se ao Governo de Minas, como trampolim para a Presidência da República?
 
Claro que pedindo pelos mortos de todos os lugares e de todos os tempos, terei presentes todos os nossos queridos mortos (ou queridos Vivos!). O pedido maior, no entanto, será, para todos, a graça das graças: a de bem partir…
 
Partir na fé, na esperança e na caridade. Partir sem olhar para trás; como quem pula, confiante, no escuro; como quem leva ao extremo o in manus tuas730.
 
Acabar algum trabalho?… E acabar é verbo para a terra ou verbo para os homens? A realidade recomeça sempre, se enriquece a cada instante. Viver é superar-se. E, após o face a Face, aumenta de milhões nossa capacidade de dar glória a Deus e ajuda aos homens. [fl. 2]
 
Estou escrevendo, da casa de Stella, do quarto de Inês731, onde dormi. Depois de um dia intensíssimo e de uma palestra acesa, aqui, com brasileiros, o carinho de um lar fraterno. João e Stella sempre mais amigos.
 
Não me lembro, repito, de outra cidade, onde encontrasse tanta sede de ver, de ouvir, aprender… Três grupos se destacam (e as programações continuam, de Finados adentro): os Padres, com o Vigário Geral, à frente; Banqueiros, liderados por Bernasconi732; Protestantes…
 
Hoje ainda, sempre se Deus quiser, deverei ir ao Conselho Mundial das Igrejas. Insistem no apelo para que Genebra e Recife se tornem gêmeas…
 
Revejo esquemas passados, preparando um novo, para Berna…
 
Penso em começar, (quem não sabe?), com Observações Preliminares.
 
1. Alegria de vir à Suíça protestante e católica (a Suíça Cristã) 1964.
a) Clima antiprotestante de minha infância;
b) Arquidiocese de Recife, de após João XXIII.
 
2. Alegria de poder falar a católicos e protestantes, a propósito de um dos Esquemas do Concílio Ecumênico, sobre a posição do Cristianismo em face do Mundo de hoje.
 
Quando se abrir, então, a palestra propriamente dita, tentarei apresentar o Cristianismo 1964 como devendo ter:
 
– atitude de diálogo;
– espírito ecumênico;
– decisão de servir.
 
Na atitude de diálogo, penso em falar na abertura para os grandes problemas econômico-sociais de hoje; na abertura para as grandes conquistas técnico-científicas de hoje; na coragem de dar respostas, esperadas de uma maneira angustiada.
 
No espírito ecumênico, aludirei à caminhada para a união das Famílias Cristãs; às Declarações sobre liberdade religiosa e judeus; às religiões não-cristãs; à revisão do conceito de paganismo; ao diálogo com os ateus.
 
Na decisão de servir, quando, após falar em simplificação no estilo de vida, passar a falar em atitudes mais profundas, tentarei dirigir, a [fl. 3] católicos e protestantes, o que, em Roma, só aos nossos dirigi.
 
Vejam, agora, o Esquema vestido:
 
“Um Sul-Americano fala a suíços ou… melhor, um homem fala a outros homens”
I) Observações preliminares
 
1. Não me sinto estrangeiro em parte nenhuma do Mundo;
 
2. Alegria de vir à Suíça Cristã 1964;
 
3. Alegria de poder falar a católicos e protestantes – a propósito  do Concílio Ecumênico – sobre Cristianismo 1964;
 
4. Cristianismo 1964 supõe:
– atitude de diálogo;
– espírito ecumênico;
– decisão de servir.
 
II) Cristianismo e diálogo
 
1. Abertura para os grandes problemas econômico-sociais de Dom Helder Camara hoje;
 
2. Abertura para as grandes conquistas técnico-científicas de nossos dias;
 
3. Coragem de dar respostas, esperadas angustiadamente.
 
III) Cristianismo e ecumenismo
 
1. Caminhada para a união das Famílias Cristãs;
 
2. Declarações que esperamos do Concílio;
 
3. Atitude diante das religiões não cristãs;
 
4. Revisão do conceito injusto de paganismo;
 
5. Diálogo com os ateus;
 
IV) Cristianismo e desejo de servir
 
1. Simplificação no estilo de vida;
 
2. Tentações contra o desejo de servir
 
– católicos e protestantes ameaçados pela engrenagem;
 
– não é fácil a admissão concreta do pluralismo;
 
– nada de construir Cristandades.
 
Perdoem: quis que vocês me vissem trabalhando, pensando: acabou ficando muito cansativa a repetição.
 
No quarto de Inês, o violão está tocando sozinho, enquanto se preparam para a batucada os brotos numerosos, cujos retratos, cobrem de todo, a porta do quarto… Mas é um batuque que não fere a memória dos mortos…
 
Bênçãos saudosas do Dom
 
726 Madrugada de segunda-feira.
727 Armando Lombardi.
728 Apelido dado por Dom Helder ao Pe. Montenegro, que por muitos anos foi diretor do Ensino Religioso, na arquidiocese do Rio de Janeiro.
729 Francisco Clementino de San Tiago Dantas (1911-1964), jornalista, advogado, professor e político brasileiro, amigo de Dom Helder desde os anos 30.
730 Lema episcopal de Dom Helder, que lhe fora sugerido em 1952 pelo amigo Pe. José Vicente Távora, futuro arcebispo de Aracaju.
731 Inês Cabral de Melo (nascida em 1948), segunda dos cinco filhos do casal Stella e João Cabral de Melo Neto.
732 Alphonse Bernasconi, primeiro presidente da Federação de colônias de férias católicas.
 
 

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