Dom Helder Camara nunca possuiu automóvel nem utilizou carro oficial da Arquidiocese. Muito menos teve motorista particular. Considerava um luxo para um bispo que defendia uma igreja pobre e servidora.
Geralmente saia a pé de sua casa nos fundos da igrejinha das Fronteiras, na Boa Vista, em busca de um transporte qualquer. Utilizava sempre o serviço de táxis, onde conversava à vontade com os motoristas sobre diversos assuntos. Era uma forma que encontrava para ficar mais próximo ao povo. Os motoristas, na verdade, honrados com o ilustre passageiro, se negavam a receber a corrida. E o arcebispo, claro, fazia questão do pagamento e nunca recebia o troco de volta.
Nem sempre conseguia logo um táxi. Na maioria das vezes, sequer andava mais de cem metros sem que sem que duas ou três pessoas lhe oferecessem uma carona. No primeiro momento não aceitava a oferta. “Não gostava de incomodar”. Não queria também que mudassem o caminho para levá-lo. Porém seus argumentos não surtiam muito efeito. As pessoas insistiam em levá-lo e ele, sem temor, entrava nos carros.
Durante o período da repressão política, quando sua vida esteve em constante perigo, seus amigos mais próximos temiam por sua vida.
Advertiam que o costume de aceitar qualquer carona, sem ao menos saber quem era o motorista que o transportava, podia ser usado para um atentado. Mesmo assim nunca deixou de aceitar carona, entrando em qualquer carro que lhe convidasse. Tranquilizava seus amigos e colaboradores lembrando que “ o Espírito Santo sempre me protege”.
Num dia, porém, ao sair de casa a pé, como sempre fazia para pegar um táxi na esquina mais próxima, notou que um carro diminuiu a velocidade e se aproximou da calçada. Colocando a cabeça para o lado de fora do veículo e dirigindo-se ao arcebispo o motorista gritou: “seu filho da p …”.
Dom Helder não se fez de rogado. Olhou calmamente para o motorista e respondeu de pronto, com o bom humor que lhe era característico nessas ocasiões:
– Deus te leve, meu querido irmão.
A mulher do motorista olhou para o marido e disse: “Taí o que você queria”.
Fonte: Livro Além das Ideias – do jornalista Félix Filho.